Capítulo 3

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Giovanna Martins

Quando entro no meu quarto, fecho a porta com um leve empurrão e me deixo cair na cama, como se o colchão pudesse absorver o peso de tudo que sinto. Os últimos minutos trouxeram à tona memórias e mágoas que eu preferia manter enterradas. Mas ali estavam elas, pulsando vivas como feridas recém-abertas.

Meus olhos se fixam na penteadeira, especificamente na gaveta que há tempos tento ignorar. Dentro dela, escondida como um segredo sussurrado, está uma pequena caixa de veludo, minha companheira silenciosa durante tantas noites de lágrimas amargas. Por um instante, minha mente luta para decidir se devo pegá-la. Mas a curiosidade, ou talvez a necessidade de reviver a dor, me vence.

Com um suspiro pesado, ergo a cabeça do travesseiro e estico o braço, abrindo a gaveta parcialmente. Meus dedos tocam a textura macia do veludo, e uma onda de emoção sobe pelo meu corpo. Meu nariz arde, meus olhos começam a se apertar, e meu peito sente um aperto familiar, quase sufocante. Respiro fundo, tentando afastar o que vem a seguir.

Não posso chorar. Não posso chorar! NÃO! Meu mantra mental é alto e insistente, mas não faz com que a dor diminua. Em um gesto brusco, jogo a caixinha de volta na gaveta e a fecho com força. O impacto faz o móvel estremecer, e minha caixinha de música favorita, aquela que pertenceu à minha mãe, cai no chão com um som seco que ecoa no quarto.

— Merda! — Resmungo, agachando rapidamente para pegar o enfeite.

Meus dedos tocam a bailarina delicada, mas ela não está inteira. Uma das pernas quebrou, separando-a do pedestal. O nó na minha garganta se intensifica, e antes que eu possa impedir, enterro o rosto no travesseiro. Sinto-me patética, como se tivesse quebrado a única ligação que eu tinha com uma mãe que nunca conheci.

O som de batidas na porta me arranca do meu conflito interno. Ainda segurando a bailarina partida, levanto e abro a porta. Do outro lado, Santiago está parado, sem camisa, o corpo úmido, com pequenas gotas escorrendo por sua pele. Ele usa apenas uma toalha enrolada na cintura, e o sorriso que exibe é tão confiante quanto sedutor.

Engulo em seco, tentando ignorar a torrente de pensamentos nada puros que se formam na minha mente. Tento manter a compostura, fingir que aquele espetáculo gratuito de testosterona não me afeta.

— Precisa de alguma coisa? — pergunto, com um tom que não revela o caos interno que ele causou.

— Eu esqueci de te avisar... — Ele passa a mão pela nuca, despreocupado. — Minhas roupas estão úmidas e sujas. Será que posso pegar algo do seu pai?

— Claro — respondo, quase atropelando a palavra, enquanto fecho a porta atrás de mim e saio pelo corredor. — Ele deve ter algo que caiba em você.

Santiago me segue em silêncio. Ao chegar ao quarto do meu pai, abro o closet e começo a vasculhar as roupas. Enquanto mexo nos cabides, percebo que ele se aproxima demais, tão próximo que sinto sua respiração quente contra meu ombro. Ele não toca em mim, mas sua presença é esmagadora, quase como se me prendesse ali.

— Suéter? — ele pergunta, com um tom zombeteiro, aproximando-se ainda mais. Sua voz soa perto demais do meu ouvido, fazendo cada fibra do meu corpo entrar em alerta.

Fecho os olhos por um breve segundo, tentando encontrar o controle que parece escorregar pelos meus dedos. Engulo a seco e tento me concentrar, mas é impossível negar o que meu corpo insiste em sentir. Por mais que minha mente grite que não deveria, ainda há algo em mim que responde ao charme de Santiago. Algo que nunca desapareceu, mesmo com tudo que nos afastou.

Respiro fundo, segurando a peça que encontrei no armário, e me viro para encará-lo. O desafio agora não é encontrar roupas. É não sucumbir à proximidade do homem que ainda mexe tanto comigo.

— Eu dei um jeito de fazê-lo dar uma repaginada — comento, tentando parecer natural enquanto luto para manter a calma. Continuo mexendo no closet, fingindo concentração. — Substituí todos os suéteres por camisas polos e de gola V. Agora ele está estilo garotão. Até conseguiu uma namorada.

— Namorada? — Santiago pergunta, curioso e incrédulo. 

— É, ele está namorando a Vanessa. Uma ótima pessoa — murmuro, enquanto puxo uma camisa dobrada e a analiso. Mas a tensão no quarto cresce como uma sombra, silenciosa e sufocante. Consigo sentir os olhos de Santiago queimando na minha pele, e todo o meu corpo reage, tenso, como se estivesse sob ataque. Estar a sós com ele era perigoso. Eu sabia disso. Só não sabia que seria tão difícil resistir ao que sua presença me faz sentir.

— Entendo... — A palavra sai quase num sussurro, e antes que eu possa me mover, sinto um dedo deslizar pelos meus cabelos, jogando-os para frente dos ombros. O toque é lento, calculado. O polegar roça delicadamente na minha nuca, traçando uma linha descendo pela minha vértebra. Sua proximidade faz o ar ao meu redor vibrar, enquanto ele continua com um tom manso, quase doce, bem próximo ao meu ouvido. — E você está gostando?

A pergunta paira no ar como uma armadilha. O que ele quer saber? Se estou gostando da nova namorada do meu pai? Ou do seu toque, que faz meu coração martelar como se fosse explodir?

Fecho os olhos com força, tentando expulsar a confusão que sua presença causa em mim. Tento soltar o ar preso em meus pulmões, mas ele escapa num suspiro ofegante, traidor. Meu corpo não mente: estou arrepiada, e minhas pernas ameaçam ceder.

— Santiago... Por favor — minha voz sai fraca, quase um pedido desesperado. — Eu... preciso de espaço.

Ele hesita por um momento, mas então recua.

— Desculpe. — Sua voz soa sincera, e ele dá um passo para trás, retirando os dedos da minha pele.

Aproveito a distância para voltar ao closet, mas percebo que só consigo usar uma mão. A outra ainda segura o enfeite quebrado.

— Quer que eu segure isso pra você? — Ele pergunta, observando com atenção a peça em minhas mãos.

Por um momento, hesito. Meu olhar se fixa no objeto que me faz lembrar do passado e de um peso que nunca consegui abandonar. Finalmente, entrego o enfeite a ele, sentindo uma estranha mistura de alívio e relutância.

Enquanto continuo procurando roupas, ouço sua voz outra vez:

— O que aconteceu aqui? — Ele pergunta baixo, analisando o objeto com os dedos.

— Quebrou... — começo a falar, mas as palavras me traem. O que estou escondendo? Minha raiva? Meu arrependimento? — Por culpa daquele maldito...

Paro imediatamente, arrependida. Não deveria me referir ao anel de compromisso daquela forma. Ele levanta os olhos na minha direção, atento, esperando uma explicação. Nosso olhar se encontra, longo e intenso, como se ele tentasse decifrar cada pedaço da minha alma.

— Bati a gaveta sem querer — digo, desviando o olhar. — O móvel tremeu, e o enfeite caiu.

Ele assente lentamente, mas sua atenção retorna ao enfeite.

— Esse não era o enfeite da sua mãe? Aquele que você gosta tanto?

O mundo parece parar por um segundo. 

Ele se lembra.

O homem que destruiu meus sonhos, que me deixou com cicatrizes que carrego até hoje, ainda guarda detalhes sobre mim. Ele sabe de tudo. Sabe que minha mãe me deixou apenas uma caixinha de música quando foi embora. Sabe que, desde então, ela é meu único elo com algo que não posso ter.

— É... — minha voz sai abafada, quase um grunhido, enquanto tento mascarar o turbilhão de emoções que ele acabou de despertar. Disfarço, voltando a mexer nas roupas. Pego uma regata azul e uma calça de moletom preta e jogo as peças sobre seu ombro. — Espero que isso sirva.

Mas ele continua em transe, observando o enfeite como se fosse um quebra-cabeça que precisa resolver.

— Acho que consigo consertar isso — diz, sua voz cheia de convicção.

Depois que tudo deu erradoOnde histórias criam vida. Descubra agora