Santiago Castillo
— Filho, estou cansado de ver esse desenho. Que tal a gente sair lá fora um pouco, ver como está o dia? A chuva já passou. — Já é a terceira vez que tento trocar de canal ou convencer o menino a sair do sofá, mas ele se recusa a fazer qualquer coisa que não seja assistir aquelas bizarrices infantis. — Sabe onde sua mãe foi? — Pergunto, mais por curiosidade. — Ela disse alguma coisa?
Às vezes, me esqueço de como ele é pequeno, só tem quatro anos.
— Mamãe tá namolando — ele responde, sem tirar os olhos da tela. — E o vovô biga, biga e biga.
— O quê? — Acho que não estou ouvindo direito. Será que ele disse isso mesmo?
O garoto nada responde, apenas continua olhando fixamente para a tela, rindo das trapalhadas do personagem como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo.
Vendo que não há jeito, pego o controle remoto e desligo a televisão. Ele me olha com um olhar de revolta, tenta pegar o controle da minha mão, mas eu levanto o braço bem alto, fora do alcance dele, sem dar a menor chance.
Sem sucesso, ele me olha com os olhos começando a se encher de lágrimas, o biquinho dele se esticando como se fosse desabar a qualquer momento.
— Não, filho, não chora... Olha... Papai vai te levar para comprar doce, que tal? Você quer doce? — Falo, tentando manter a calma, mas sentindo um certo desespero crescer dentro de mim. Se o menino começar a chorar, eu realmente não sei como vou lidar com isso.
***
Christian ainda coça os olhinhos tristes, quando eu o calço e o preparo para sair de casa, ele está usando uma bermudinha e uma camisa azul com uma estampa de desenho de um dinossauro. Depois de prontos, ele se esquece de que estava triste, e já está mais animado me contando sobre a bola nova que ganhou de alguém, mas a única coisa que consigo pensar além da história de saber que Giovanna está namorando, é com quem ela está namorando?
O tempo está nublado, mas para a minha sorte, não está chovendo, e próximo ao condomínio há um supermercado. Não vai ser preciso ir dirigindo, até porque no meu carro não há nenhum equipamento para transporte de crianças.
Logo saímos de casa e começamos a caminhar pela rua, na medida em que suas pequenas perninhas conseguem andar.
— Então, filho, a mamãe está namorando? — Pergunto, pegando-o no colo para apressar nossa caminhada até o mercado.
Ele confirma com a cabeça, mas sem tirar os olhos do chão.
— Buno, disse que vai ser meu papai dois — ele estica os dedinhos e mostra o número dois, como se fosse uma grande revelação.
— Seu segundo pai? — Repito, sentindo uma pontada de incômodo no peito. Não sei bem o que pensar sobre isso.
Ele confirma novamente com a cabeça, sem entender a complexidade da situação, como se fosse algo completamente normal.
— E sobre seu avô brigar, me conta o que está havendo? — Tento mudar de assunto, sabendo que, se for algo sério, preciso saber logo.
— Vovô e mamãe biga sempe. — Ele balança a cabeça de um lado para o outro, como se o problema fosse algo recorrente, algo comum para ele.
Eu me lembro de Giovanna falando que, até certo tempo, o relacionamento com o pai dela tinha sido bom, mas que, ultimamente, estava desgastado. Não me surpreenderia se eles tivessem se desentendido.
— E como é esse tal de Bruno? — Pergunto, tentando manter o tom casual, mas não escondendo um certo desdém.
— Gandão assim — Ele ergue o braço com entusiasmo, fazendo um gesto exagerado, como se quisesse mostrar o tamanho de alguém muito alto. — Lá no alto.
E eu, ali, pensando que depois de todos esses anos, ela ainda pudesse sentir aquele amor devoto que tinha por mim no passado. Eu sei que ela tinha o direito de seguir em frente, de reconstruir sua vida, mas a ideia de vê-la nos braços de outro me corroía por dentro. Desceu pela minha garganta como um cacto, um incômodo constante, gerando ciúmes e um desconforto tão forte que eu mal conseguia respirar.
Era uma sensação absurda, como se o mundo tivesse virado de cabeça para baixo. Meu filho chamando outro de pai... Não conseguia entender como aquilo havia acontecido sem que eu soubesse. Como ele, tão pequeno, já estava se acostumando com a ideia de ter um homem no lugar onde antes eu estava? Quando e como isso começou? O pior de tudo era que, cada vez mais, surgiam dúvidas: onde é que ela conheceu esse tal de Bruno? Quem era ele? Onde eu estava, tão distraído, que não percebi nada, que não vi nada acontecendo ao meu redor? E, o mais doloroso de tudo, onde eu estava quando Giovanna decidiu substituir o meu papel na vida do nosso filho?
***
Biscoitos de vento, jujubas, chicletes e chocolates. É o que tem dentro da enorme sacola de mercado que estou levando para casa, acompanhando meu filho.
Desde que Christian me falou sobre esse tal Bruno e as brigas frequentes entre Giovanna e o pai, minha cabeça não tem paz. Não consigo pensar em mais nada. Eu sei que não posso me intrometer, que Giovanna tem todo o direito de seguir sua vida, de fazer novas escolhas, afinal, ela é jovem, bonita. Mas, até que eu tenha certeza de que esse tal Bruno é um homem de respeito, que vai tratar minha ex e meu filho como merecem, não vou descansar.
Atravessando o portão do condomínio, vejo uma mulher distante, colocando uma placa de compra e venda na entrada da casa ao lado.
Me aproximo, segurando a mãozinha do meu filho, e pergunto:
— Bom dia, está à venda?
A loira de olhos escuros, usando um blazer impecável e colares chamativos, me olha, sorrindo com simpatia, e responde:
— Bom dia, está à venda sim, os donos passaram para a minha imobiliária pela manhã — ela estica um cartão de visita em minha direção, com um sorriso largo, como se já soubesse que estou interessado.
— Obrigado. — Pego o cartão e leio o verso.
Srta. Bianca Andrade. Consultora imobiliária.
— Se tiver interesse, entre em contato comigo — ela diz, suavizando a voz, enquanto alisa o cabelo do meu filho, o que me faz ficar tenso. — Que criança linda. É seu filho?
Sorrio educadamente, tentando esconder a inquietação que já começa a tomar conta de mim.
— Sim. — Respondo, percebendo seu olhar se fixando em meu dedo anelar, procurando por uma aliança, uma indicação de que estou comprometido.
— Pai solteiro? — Ela pergunta, com uma certa curiosidade, um toque de desafio na pergunta.
— Sim e não. — Ela ri, me avaliando com olhos mais atentos. Começo a perceber que está mais interessada no meu status do que na casa que está tentando vender.
— Tentando reconquistar a mãe. — Minha voz sai mais ríspida do que eu queria.
Um "oh" forma-se em seus lábios, e ela parece um pouco constrangida. Surpresa. Ajeita a bolsa no ombro e pega a chave do carro, como se a conversa estivesse terminando. Ela dá um sorriso gentil e diz:
— Bem. Então tenha um bom dia. Tchau, rapazinho — ela gesticula para meu filho, que retribui com um sorriso, mas o olhar do garoto está mais interessado em mim do que na mulher.
Eu a vejo se virar para entrar no carro, e uma sensação amarga toma conta de mim. Orgulho, ciúme, raiva. Algo em mim aperta ao saber que cheguei tarde demais e Giovanna agora pertence a outro. A casa, a vida dela, tudo o que eu pensei que poderia ter voltado, agora está se afastando mais e mais.
Eu preciso estar por perto. Preciso me manter presente na vida deles. E essa mulher... Essa parece uma oportunidade, uma maneira de me aproximar mais de tudo o que estou perdendo.
— Senhorita, Bianca! — Chamo, a voz saindo mais firme do que eu queria. Ela se vira, surpresa.
E então, com uma decisão que eu não tinha certeza de que tomaria até aquele momento, digo:
— Eu vou comprar a casa!
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Depois que tudo deu errado
RomansaNo passado Giovanna Martins viveu um romance intenso com Santiago Castillo, o pai de seu filho Christian de apenas quatro anos. Juntos eles enfrentaram muitas circunstâncias que nem sempre foram a favor desse amor deixando muitas marcas e mágoas ent...