Capítulo 16

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Giovanna Martins

— Oi, pai, como foi a viagem? — beijo o rosto do meu pai e o abraço.

Meu pai é bem diferente de mim, tem os olhos azuis claros, enquanto os meus são da cor do mel. A pele dele é branca e cheia de sardas, a minha é parda. A única semelhança é o cabelo, castanho escuro, liso e escorrido. A minha melanina capilar ainda mantém a cor natural, mas os cabelos dele já mostram sinais dos seus cinquenta e sete anos. Ele tem cabelos grisalhos, o que lhe confere uma aparência madura e respeitável. Ele sempre diz que me pareço mais com a minha mãe, que era descendente de índios, por isso tenho alguns traços exóticos.

— Foi ótimo, filha. Ainda mais tendo uma mulher como a Vanessa como companhia.

Rimos todos juntos, e eu cumprimento a Vanessa. Ela tem quarenta e cinco anos e, ao meu ver, meu pai gosta muito de tons mais escuros que os dele. Depois da minha mãe, ele só saiu com algumas mulheres, e todas elas tinham a pele escura. A Vanessa não é diferente: é uma linda mulher negra, de pele lisa e cabelos crespos cacheados. Sua aparência é bem conservada; quem olha para seus olhos negros e para sua pele lisa não diria que ela já passou dos quarenta. Ela é elegante e muito reservada. Tem sido uma boa madrasta e avó, além de uma ótima companhia para meu pai.

Vanessa ri e me lança um olhar engraçado.

— Seu pai sente muito frio, ficamos a maior parte do tempo trancados no quarto do hotel, tudo isso...

Meu pai completa:

— Por causa do aquecedor.

Voltamos a rir, e meu pai puxa as malas em direção à sala.

— A viagem de volta foi cansativa, nem sei por que paguei tão caro por um voo executivo, se ninguém conversa... — ele muda de assunto, e a conversa segue sobre as experiências da viagem, até que ele faz uma pausa, olha em volta e pergunta: — Onde está o meu neto?

—— Está na casa do vizinho — respondo, observando o vinco entre as sobrancelhas dele se aprofundar.

— Qual vizinho? A senhora Moreno está doente, e a casa ao lado está fechada. — A voz dele carrega um tom de curiosidade e preocupação.

Olho para o chão por um momento antes de continuar, tentando não mostrar o desconforto que sinto.

— O Santiago, pai. Ele comprou a casa ao lado — falo, de forma cautelosa.

Meu pai franze a testa com um olhar que revela uma mistura de surpresa e desconfiança. Ele fica em silêncio por alguns segundos, o que me faz sentir o peso da dúvida no ar. Sei que ele está processando a informação, tentando entender a situação. Ele sempre teve uma relação tensa com Santiago, e agora, com essa novidade, sei que ele está ponderando algo que prefere não dizer.

— E a mulher dele? — A pergunta sai carregada de algo que não consigo identificar imediatamente, mas sei que há mais por trás dela.

— Parece que se separaram de vez — digo, com um suspiro, sentindo a gravidade da resposta pesar sobre mim. Vanessa, ao ouvir, faz uma careta, um reflexo de quem já percebe o quão complicada a situação é.

Ela sabe um pouco da nossa história, do embate constante entre mim e o Santiago, e como isso mexe com tudo ao nosso redor. Vanessa entende que a relação com ele é, no mínimo, delicada. Ela sempre se manteve em silêncio, respeitando meus limites, mas eu posso ver na expressão dela o reconhecimento de que, agora, estamos sendo forçados a reavaliar tudo.

Meu pai, ainda com a testa franzida e uma expressão de preocupação, deixa o silêncio se arrastar por mais um momento. Ele olha ao redor, como se tentando encaixar todas as peças do quebra-cabeça.

— E ele tinha logo que comprar uma casa aqui, perto de nós? — a voz dele sai baixa, quase para si mesmo, mas eu consigo captar a frustração nas palavras.

É claro que meu pai não está confortável com essa ideia. A casa ao lado é um espaço que ele sempre considerou próximo demais, e saber que Santiago, com todas as suas complicações, está tão perto, mexe com o que ele imaginava para a nossa convivência.

— Diz isso pra ele! — respondo, dando de ombros. — Vocês trouxeram presentes? Diz que sim! — mudo de assunto, não quero mais falar sobre o Santiago e sua aproximação, que, surpreendentemente, tem surtido bons efeitos, principalmente com o Christian.

Seguindo o conselho da minha terapeuta, contei para ele como me sinto. Esse simples gesto tirou de mim toneladas de ressentimentos.

Confesso que ainda sinto a força daqueles grandes braços me envolvendo e me confortando. Desde aquele dia, parei de sentir raiva. Agora, o que sinto é que estamos criando outro vínculo, diferente do passado, e estamos construindo uma amizade verdadeira para que possamos criar nosso filho em parceria.

— Claro, filha, você precisava ver... — Vanessa sorri, abrindo a mala e puxando alguns pacotes. Mais uma vez, entramos em assuntos sobre a viagem e os pontos turísticos que visitaram, enquanto meu pai permanece calado, com as pernas cruzadas e a cabeça apoiada no punho, sem demonstrar nenhuma expressão.

Depois que tudo deu erradoOnde histórias criam vida. Descubra agora