Capítulo Vinte e Oito

63 6 0
                                    

No domingo, com meu pai, eu mantive minha boca fechada. Ele perguntou como estava a escola e eu disse que um pesadelo. Ele perguntou se eu havia conhecido alguém legal além de Denis e eu disse que sim, talvez. Perguntou diversas vezes se eu estava pensando em seguir a profissão. A profissão dele. foi nesse momento em que eu tive vontade de explodir. Mas foi apenas uma vontade. Momentânea quanto uma brisa. Eu não podia me dar ao luxo de explodir. Não perto do meu pai. Porque não me sinto confiante para abrir a boca e disparar meus argumentos, que passei noite pós noite ajustando, preenchendo lacunas e até imaginando aonde iriam chegar, se seriam um bom lugar. E os meus sonhos eu guardava apenas para mim, não dividiria com ele, porque sempre que eu pensava em contar algo meu, meu pai assomava com uma coisa dele e tudo ficava complicado depois disso. Eu queria que ele entendesse que estou perdido no agora, no presente. Sem ter ideia do que fazer. Enquanto o meu passado me deixou magoado, frustrado, com receio e com muita dor. E o meu futuro parecia tão certo, parecia uma armadilha que eu evitava pensar. Espero que, se meu pai tem poder de ler mentes, que leia tudo isso. Leia, leia, leia e descubra o quão inseguro eu sou e não negaria isso se você me perguntasse. Eu até sorriria. Quem sabe eu pediria sua ajuda.

Mas ele não pergunta. Porque não consegue me ler. Meu pai não consegue me ler.

Fomos de carro até a casa do meu pai e depois disso ele teve que sair. O que foi bom.

— Você pretende ir a algum lugar? Precisa de dinheiro?

— Não. Vou ficar aqui.

— Tem comida na geladeira. Faça café, se quiser. Não deixe a televisão ligada. E não entre no meu escritório.

Assinto, sabendo essa última desde pequeno.

Quando a porta bateu eu realmente fui fazer café e depois, com uma xicara do tamanho da minha palma, sentei no sofá e troquei algumas mensagens com Arthur. Ele está passando o domingo com a mãe e o irmão na praia. Estou na cidade, digitei pra ele, e pretendo ficar o dia todo me alienando com o Instagram.

Liguei a televisão.

Depois desliguei quando dez minutos inteiros se formaram no relógio. Levantei, calcei os tênis e saí para encontra-lo.

L., estava em um banco no parque. O reconheci assim que vi seus cabelos negros na altura do ombro. Estão maiores do que da última vez. Mas ele ainda está do mesmo jeito: alto, desengonçado, bronzeado e nada sorridente. A cara dele tinha o tédio natural. Parecia que nada o interessava e as coisas que chegavam perto disso... eram só dele.

— Finalmente — Luan revirou os olhos.

Essa era sua forma habitual a um oi.

Não falei nada.

Acho que sempre foi assim desde que começamos a vir aqui. Ele me esperava sentado em uma ponta do banco, perto da árvore torta com lixeira ao lado em forma de flor, eu chegava, ele falava "finalmente" revirando os olhos e depois eu me sentava na outra ponta do banco. Simples, simples. Nem mesmo parece que faz um ano hoje. Luan, irmão mais velho de Regina, olha para mim e diz, com a voz de tédio:

— Você mudou.

Foi o estresse.

É o país em ladeira abaixo.

São os problemas.

Eu conseguia fazer uma lista em ordem alfabética se me esforçasse.

Tudo o que respondo, entretanto, é: — Pois é. Você não mudou nada.

Luan, assim como Regina, era louro. Ele tinha, eu costumava dizer, cabelos cor de trigo. Eram tão claro e parecia tão sedoso como aquelas imagens de campos de trigos na televisão ou na internet. Depois da morte da irmã, ele tingiu o cabelo de preto e ficou assim desde então. Na verdade, toda a luz que ele tinha, que nem era muita, acabou indo embora também. Ele deve ter abandonado tanta coisa... todo mundo abandonou certa coisa, algum dia, quando alguém se foi.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora