feridas abertas

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Ele estava chorando de novo, olhando a foto da mulher que já foi tudo em sua vida. Ele já tinha tentado rasgar aquela foto umas mil vezes, mas tudo que conseguia era olhar para ela e as lagrimas começavam de novo.

Ele se perguntava o que tinha feito de errado, por que as coisas terminaram como terminaram, por que tinham dito aquelas coisas um para o outro e acabado com seus planos e sonhos. Um paraíso erguido sobre a idéia de que eles iam ficar juntos para sempre destruído como um castelo de cartas por uma frase curta e cortante, como uma navalha:

- Esta tudo acabado. Não quero mais nada com você.

Como quase todo mundo faz, ele foi afogar as magoas em um bar, bebendo bebidas fortes na companhia de seus amigos, colocou para a fora toda a dor que sentia. Todos ao seu redor começaram a falar mal da mulher que foi o amor de sua vida, insultando-a e desqualificando-a, porque assim achavam que o amigo se sentiria melhor.

Pelo contrario, aquilo somente o machucava mais, pois cada piada que eles faziam era prontamente rebatida pela voz da sua consciência, que sabia que nada daquilo era verdade. Ela era perfeita, o mundo deles era perfeito, as manhas de domingo em que ele acordava com o cheiro do cabelo dela, o calor dos corpos nus unidos num emaranhado de carinho e desejo, tudo aquilo era perfeito e estava perdido para sempre.

De repente aquilo tudo era insuportável demais, a balburdia, as insinuações dos amigos a respeito da decência de sua ex-namorada, tudo aquilo se tornou dolorido demais para ele e sob a desculpa de fumar ele saiu do bar.

Ele acende o cigarro e percebe um senhor também fumando, olhando para a garoa que deixava a noite mais cinzenta e deprimente. Ambos os homens dividiam a cobertura do toldo e por cortesia e algum tempo de convivência no mesmo bar eles se cumprimentaram.

- Fim de relacionamento, meu filho? O velho nunca tinha lhe dirigido à palavra, mas pelo jeito a algazarra e as conversas deixavam claro o motivo da reunião de amigos naquele bar em plena terça-feira.

- Sim, quase três anos juntos e ela termina comigo como se não fosse nada. A voz tinha mais desespero e dor do que ele gostaria de ter transmitido, mas finalmente alguém estava escutando-o, e não tentando anima-lo.

Com seus cabelos escassos e sua camisa desarrumada, o velho deu uma longa baforada em seu cigarro e disse com um meio sorriso carregado de saudades:

- Ahn. As mulheres são tinhosas mesmo, rapazinho. A minha mesmo demorou trinta anos para aparecer, depois mais dois para conquista-la, e cada dia era uma batalha diferente. Contra os humores dela, as inseguranças, e mesmo assim ela me ajudava, cuidava de mim e de nossos filhos, e tínhamos uma cumplicidade fora do comum, rapazinho, mas infelizmente ela também me deixou, meu rapazinho. Por isso eu venho aqui e bebo umas pra ver se a esqueço.

- Difícil mesmo, amigo. O homem mais novo sentia sua dor tão pequena, insignificante, frente a dor quase infinita de um homem de quem o destino tinha roubado a companheira de uma vida inteira. Seria a morte, o cansaço de andarem juntos ou simplesmente o fim do amor que havia separado um casal que passara por tanta coisa. Ele não ousou perguntar.

- Me diz uma coisa. Se você soubesse que ia acabar bêbado numa terça-feira feia dessas em uma espelunca como essa por causa da sua mulher, você teria feito algo diferente? A pergunta do velho foi tão surpreendente que ele quase engasgou com a fumaça de seu cigarro, quase no fim.

Ele pensou por um segundo, e compreendeu a luz nos olhos de seu interlocutor e passou seu relacionamento em revista em um instante.

Não foi necessário pensar na resposta:

- Faria tudo igual. Elas podem ser a fonte de muita dor, mas ao mesmo tempo nos fazem tão felizes e completos que vale a pena se arriscar com elas e por elas.

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