Urano

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Nesse momento são cinco e quarenta da tarde e seguimos aqui na Praia do Sossego, na cidade de Niterói. Por volta de dez da manhã, o lazer foi interrompido quando uma família de turistas encontrou um objeto estranho afundado na areia, o que viria a ser identificado mais tarde como um fóssil. Estamos aqui cobrindo essa descoberta desde cedo. Agora, no fim da tarde, já faz quatro horas desde que uma equipe de especialistas se instalou para escavar e investigar o local. O local se encontra interditado, já tem alguns seguranças pela área para garantir sigilo e ainda não temos informações precisas sobre o fóssil encontrado.

As únicas informações até o momento são de relatos dos turistas que estavam na praia mais cedo. Os relatos contam sobre uma formação rochosa de esferas roxas, alguns dizem vermelhas, que parecem ter se juntado antigamente e acabaram vindo parar na areia da praia, provavelmente pela maré. O que foi dito pela equipe especialista é que a área cujo fóssil vai ser escavado se estende por quase toda a praia, aproximando-se de cento e cinquenta metros, para que possam garantir o recolhimento de todas as partes dele. A família de turistas que encontrou o fóssil afirmou que o objeto parecia se estender por metade da praia.

Enquanto isso os turistas observam... — Abaixa um pouco isso daí. — ...mais algumas pessoas estão chegando ao local... — Fazendo favor... — disse Jéssica. Está agachada com uma lupa binocular na cabeça, como um capacete. Avaliando as protuberâncias esféricas que haviam sido encontradas mais cedo, examina o que realmente se assemelha a um amontoado de esferas que teriam sido grudadas umas nas outras tempos atrás. Além de observar a cor a qual vaga entre o roxo e o vermelho, também estranha que dentre tantas horas de estudo e noites viradas em seus anos de faculdade, absolutamente nada se assemelha com o que estava na sua frente. Quando chegou ali mais cedo, ainda estava descrente e julgava que o tal fóssil fosse construído por pessoas, que aquele objeto tinha sido posto ali de propósito por alguém. Ao analisar de perto, porém, ela se deu conta de haver, com certeza, vestígios biológicos. Constatou que são vestígios próximos do que se pode considerar ser um esqueleto. Determinado, então, como de origem animal, aquilo por definitivo era sinal de vida. Não apenas sinal de vida, mas parecia um esqueleto extremamente bem conservado pelo tempo, o que desafiava seus anos de estudo a fio: como um fóssil estaria tão ileso, estando tão próximo da superfície?

— Ah, botei pra saber como que tá lá fora. — desculpou-se Henrique ao diminuir o volume do seu celular e deixá-lo em cima da maleta de ferramentas. Olhou para Rafaela e deu de ombros — Qual é, estamos em um ponto de virada aqui, já viram algum absurdo parecido? Tamo aqui perto de descobrir provavelmente uma nova espécie, melhor, quem sabe tipo, sei lá, finalmente o Jurassic Park, só que sem toda a parte da tragédia — falou com tanta empolgação e procurou alguma reciprocidade enquanto olhava para Jéssica, que limpava com uma vassourinha a escavação cercada por faixas, e depois para Rafaela, que estava perto da entrada da tenda, totalmente absorta, apoiada sobre a bancada de madeira. Seu grande discurso motivacional não cativou tanto nenhuma das duas.

Dos três presentes, Rafaela é quem está sendo a mais atenciosa no trabalho que veio ser feito ali. Além de também ser a mais experiente no estudo de fósseis animais, a paleozoologia. Ela tenta separar os grãos de areia dos fragmentos de fóssil de forma praticamente manual, separando o joio do trigo quase no automático. Sua mente está vagando em sentimentos íntimos no momento. Em um estado tão alheio ao presente que não escutava mais nada em sua volta além das memórias retornando.

Sua mente está se voltando para noites de trauma. Traumas esses com descrições de fósseis que batem muito com o que está bem na sua frente. Ela está recordando o que jurou nunca ser possível ver em vida. Começara sua primeira pós-graduação sobre paleontologia em São Paulo e se lembra da sequência de fatos vividamente. "Não, Tiago, isso daí não condiz, não faz sentido, é ficção, ficção científica, sei lá, ficção barata. São apenas alguns escritos de conspiração". Rafaela discutia em êxtase contra Tiago, um antigo amigo da pós-graduação que visitara ela às onze da noite para, segundo ele, apenas apresentar algumas pesquisas nas quais havia trabalhado.

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