"Era isso que você queria, era o certo, agora ele vai seguir em frente, ser feliz como merece, mesmo que com Úrsula, ele vai ficar bem, o plano funcionou, não é mesmo?" São as palavras que vinha repetindo para si mesma desde de manhã, quando recebeu a infame notícia, sabia que Úrsula não iria perder a oportunidade de se vangloriar, conhecia a governanta muito bem para saber que ela não ia deixar a oportunidade escapar, de certa forma achou que ainda estaria segura, achou que ele não teria coragem, mesmo que dizendo com todas as palavras em alto e bom tom para ele seguir em frente, gostaria de nunca o ter o feito agora. Agiu como uma pessoa descente e boa esposa, poupando alguém que tanto gosta de se machucar mais ainda numa relação sem futuro, propicia a tragédia. Mas não estava preparada para o que essa ação ia causar a ela, queria sair em busca dele nesse exato momento, gritar, dizer que ele é uma toupeira, como ele pode ouvi-la justo dessa vez? Ele nunca fazia isso, sempre um avoado, uma trampa viva, cabeça de bagre, devia o odiar, seria mais fácil se o fizesse. Quem queria enganar? Jamais poderia odiar Eugenio Barbosa, o homem que lhe trouxe a alegria de viver, quando imaginou que já tivesse perdido essa oportunidade, que a mostrou o amor em sua mais pura e genuína forma, da mais simples maneira a fazia apreciar a vida, desde de o primeiro beijo entre eles ela se pegava suspirando pelos cantos, sentia borboletas no estômago, sorria como uma criança, sem motivo algum. Através do amor que recebeu pode enfim respirar, como se esses últimos dez anos estivesse somente existindo, dia após dia, um vulto solto na imensidão da vida. Não sabia mais quem era, sequer se lembrava do que foi, as memórias eram dolorosas demais para serem relembradas, e agora ele tinha se tornado uma delas, uma memória do que foi, a história deles se tornou nada mais que passado, ela teria de conviver com esse passado todos os dias, a cruel passagem do tempo faria o favor de relembra-la de cada segundo ao lado dele, e quanto mais distante estivesse dele e de tudo que viveram, sentiria profundamente a dor de tê-lo perdido, com a ideia do que poderiam ter sido a assombrando.
Depois de um dia desgastante, entre brigas e lágrimas com Dorinha, movendo céus e terras para tirar sua filha da delegacia, sendo obrigada ver o mais novo casal durante todo o processo, estava presa a uma realidade tortuosa e solitária, precisava sumir, nem que fosse por pouco tempo, estava colapsando, tantas coisas passavam por sua mente, estava se afogando em seus próprios pensamentos. O entardecer dava seus primeiros sinais quando pegou seu cavalo e saiu em disparada pelos terrenos da fazenda, sempre adorou a sensação de estar em cima de um cavalo, o vento balançando seus cabelos, flutuava, se desfazia de todas as armaduras, ali era somente ela, em sua mais simples e vulnerável forma. Não sabia ao certo para onde ia, inconscientemente foi se levando para o lugar mais seguro que poderia conhecer, fazia tanto tempo que não ia para o lago, sua ultima memória ali, era de Heloisa se jogando nas aguas gélidas do local. Muito antes disso, ali era seu refugio, ao se sentar na plataforma de madeira, sentiu o passado pesando, se via jovem, antes do mundo desabar, antes de se perder.
O pôr do sol naquele local era em disparada uma das coisas mais lindas que havia visto, se perguntava o porque de nunca mais ter voltada ali, como se esqueceu desse lugar? Quando foi que se perdeu exatamente? Sua cabeça doía de tanto pensar, tantas perguntas sem respostas, tantas dores e magoas. A incansável constante da vida tirando o pouco que lhe restava, como sempre, sabia que sobreviveria a todo caos que se instalou em sua vida, sabia que aguentaria tudo isso, mas nem sempre sobreviver quer dizer algo bom, logo depois de provar do máximo de felicidade de todo seu ser, não queria viver outra vida, senão aquela. Mas como sempre a racional Violeta vencia, a mulher sentada agora na beira do lago, com os olhos marejados, odiava essa outra versão de si, a forte e destemida Violeta Camargo, será que ninguém percebia que essa mulher é frágil que nem um dente de leão? Uma simples brisa a derrubava, mas é fácil criar uma imagem de si para os outros, só mostrar o que quer que vejam de você.
Com ele não era assim, podia ver sua alma em segundos, mesmo quando ela fazia seu máximo para esconder, ele simplesmente sabia, Eugenio enxergava a verdadeira Violeta, justo ele que tem dificuldades para enxergar um palmo a sua frente, justo a pessoa que mais a irritava, se tornou a pessoa pela qual ela desenvolveu o amor mais intenso que podia sentir, um amor visceral. O sol estava dizendo adeus, sentada em silencio ela via a partida de mais um dia.- Você conseguiu, só precisa sobreviver ao resto agora - Murmurou para si. Nunca precisou dizer tantas palavras de consolo para si mesma igual agora, nunca teve certeza de nada, mas também nunca teve tantas duvidas como agora, isso a matava. Se convencer que tomou a decisão certa nunca foi tão difícil, talvez porque a tempos não tomava decisões tão ligadas a ela assim, sobre ela e o que sentia, talvez seja por isso a dificuldade em agir racionalmente.
Como precisava dele agora, ele diria algo totalmente despretensioso e estupido, que a faria se perguntar o porque de ter se apaixonado por uma toupeira feito ele, logo em seguida veria que ela realmente estava tensa e preocupada, diria para aproveitar a linda paisagem a sua frente, pediria que contasse alguma historia boba de infância vivida naquele lugar, ela negaria o pedido, jamais daria a ele essas historias, que com certeza ele usaria contra ela o resto de sua vida, então Eugenio a chamaria de chata de galocha, responderia com algo provocador como " A sua chata de galocha favorita", ele como o bom e velho romântico que era, não negaria, abriria um sorriso orgulhoso e a puxaria para um beijo. Podia se lembrar claramente do gosto dele, seus lábios tocando cada parte de seu corpo, seu bigode roçando seu pescoço, o toque de suas mãos em seu rosto, como ela adorava sentir seus cabelos grisalhos por entre os dedos. - Agora tudo esta acabado Violeta.- Disse amargurada para si mesma.- Esqueça, ou sofrera pelo resto de sua vida-. Num ímpeto, como quem foge de alguma coisa, ela se levantou. Prestes a pegar sua bolsa, se lembrou, não podia, mas sabia que uma vez pensado, não resistiria. Tirou de dentro do pequeno objeto marrom um lenço, o lenço. Não se lembrava como, mas havia um tempo que ele tinha aparecido em suas coisas, talvez tenha sido uma das lembranças impensadas do Rio de Janeiro, a única lembrança física que a restou, sempre se esquecia de devolver, talvez seja para ser dela, para ela ter algo a que tocar e saber que aquilo tudo realmente aconteceu, não foi sua cabeça traidora a pregando peças, a mesma que se recusa a esquecer Eugenio. Levou o objeto até si, o cheiro amadeirado dele estava mais vivo que nunca, como precisava dele agora, sentir o calor dele em volta de seu corpo, a voz doce dizendo as palavras que ele mais sabia dizer, e que ela era viciada " Eu te amo ". Como se sentisse o impacto dessas palavras que nem ditas foram, rapidamente guardou aquele objeto de dor. Não podia ficar com ele mais, amanha daria um fim nisso.
Se recompôs, limpou o rosto que a pouco foi inundado por lágrimas, ajeitou seu terninho o melhor que pode, o fato de ser branco não ajudou muito, respirou fundo e montou em seu cavalo, a vida a esperava, precisava recuperar as armaduras que havia deixado pelo caminho, e talvez com sorte, poderia achar a Violeta que se perdeu ao longo dos anos por ai. Ou quem sabe ele estaria a esperando na porta de casa, como queria ir correndo para os braços dele e dizer que sentia muito, nunca mais o deixaria ir embora, mas agora tudo estava perdido, e ele tinha o direito de ser feliz, ele merecia, mesmo que longe dela.
"Pois agora mansamente, embora de olhos secos,
o coração estava molhado;
ela saíra agora da voracidade de viver."
Clarice Lispector
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Nossas memórias
FanfictionVioleta enfim descobre que perdeu seu grande amor, e precisa encarar a realidade a partir de agora