Numa noite fria, sentado na poltrona não ouvia nada à não ser o som do relógio que passava as horas calmamente, mas tamanha calma parecia ser tão rápida. Passeei meu olhar pelo cômodo vazio em busca de algo para fazer, logo minha esposa adentrou e uma tempestade começou a cair do lado de fora. Ela segurava duas sacolas repletas de alimentos, a mesma havia chego do mercado a pouco, nada comentei. Eu odiava acompanha-la nesses locais. Não me levantei da poltrona, de lá, chamei sua atenção:
- Quer ajuda com a comida, amor? Posso limpar e guardar para você.
- Obrigada, querido, mas não precisa.
Seu tom era o mesmo de sempre, tão baixo e dócil que fazia meus músculos relaxarem. Não ousava contrariar aquela mulher, apenas concordei, mas afirmei que se precisasse de algo era só me avisar, então, ela sorriu e pegou uma faca, dois tomates e uma tábua, colocando todos sobre o balcão antes de começar a cortar o alimento. Agora ouvia tanto o relógio quanto a faca causando impacto sobre a madeira da tábua num ritmo quase igual.
O telefone ao meu lado tocou.
Estendi a mão sem muito esforço para alcança-lo, aproximando-o de meu ouvido direito após clicar no botão esverdeado, com sinal de atender.
- Alô?
- Olá querido! Me desculpe a demora, estou no trânsito, a tempestade repentina atrasou tudo.
Fiquei em silêncio, pálido e trêmulo. Não a respondi.
- Querido? – a ouvi me chamar, me tirando do transe – O que aconteceu? Está tudo bem?
- Sim, desculpe, só estou cansado.
Enquanto a respondia tinha meu olhar direcionado às luzes acesas da cozinha.
- Vá dormir, bobinho.
- Certo... Por favor, volte logo. Eu te amo.
- Eu também te amo.
E o telefone desligou.
- Quem está aí?
E ninguém respondeu.
Na cozinha já não havia ninguém. Apenas a faca, a tábua, e os dois tomates que não terminaram de serem cortados.