Capítulo 4

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O tubo com a criatura ficava num canto afastado, longe daquelas estranhas plantas luminescentes e por certo as sombras contribuíram para que passasse despercebido. Um dos botões apertados às dezenas ou as alavancas na outra sala podiam tê-la despertado, ou então os grandes tremores que trouxeram a Lars e ele próprio de volta, ou ainda podia ter sido o estardalhaço da chegada dos dois – principalmente do cão que se acabava em latir – o tivesse feito. Não importava. O ponto era que a aberração parecia furiosa e desesperada para escapar.

— Lars!

O cão a encontrou e passou a saltar contra a sua redoma, o que não amenizava nem um pouco a situação. Lars a atacava por fora e a criatura corria seus braços com inquietação por dentro, deixando rastros viscosos por onde seus dedos com ventosas se agarravam.

E então o inesperado aconteceu: ambos caíram em silêncio. A coisa na cúpula afrouxou seus apêndices e somente permitiu-se flutuar naquele líquido, fazendo voltar à memória de Eriksson a serena água-viva no laboratório de Lake. O malamute recuou um passo para trás e se sentou.

Eriksson, imóvel, tentava adivinhar o que estaria se passando entre o cachorro e a criatura quando a ouviu ordenar:

Liberte-me.

Simples e claro.

Acho que para Lars, ela o mandou fechar a matraca.

Obviamente seu próximo pensamento foi culpar o esgotamento de sua mente. Vira, sentira e aprendera demais naquele tão curto tempo de vida. Não se pode encher o cérebro com tanta informação (mais ainda com tamanhos assombros) e esperar que os circuitos não superaqueçam. É claro, estava apenas tendo um...

Liberte-me. Imediatamente.

— Você não está falando comigo! — disse Eriksson numa voz esganiçada.

No entanto, a coisa estelar havia, sim, falado com ele. E também com Lars!

Ela não se movia. Eriksson tinha consciência de que vivia somente por conta de uma ou outra bolha que escapava de seu interior de tempos em tempos, e também por causa daqueles olhos. Cinco deles o observavam fixamente, carregados de fúria, cada um na extremidade de um dos tentáculos que saíam daquelas pétalas carnívoras.

Não tem boca, refletiu Eriksson. A não ser que tenha falado comigo por aquele poço negro e verminoso no centro da...

Parou, olhando para o tubo com a criatura. A repentina compreensão tomando conta de qualquer outro pensamento.

— Você está falando dentro de minha cabeça.

A obscuridade deixou escapar algumas bolhas. Talvez estivesse rindo.

Vai me libertar agora.

E desta terceira vez, Eriksson realmente sentiu suas engrenagens começarem a trabalhar contra sua vontade. Tinha consciência de sua mente tornando-se vaga, seus membros prestes a se moverem sem que ele os ordenasse a fazê-lo.

— Não... Eu não...

Uma vontade imperativa de retornar à sala contígua e encontrar o controle que drenasse o líquido da cápsula com a criatura quase o dominava; contudo, Eriksson se deteve. Firmou os pés e apertou com força as mãos contra as têmporas. Quando o frio braço decepado resvalou em seu rosto, teve o ímpeto de jogá-lo longe, mas se conteve. A nojeira ainda poderia ser sua saída dali.

A coisa na cúpula não gostou; é possível que jamais houvesse sido contrariada antes. Seus olhos voltaram-se todos para o cachorro e Eriksson percebeu aterrorizado que ela pretendia matá-lo quando Lars passou a mover-se, naquele moroso estado de transe que ele mesmo sentira há pouco, em direção à gosma negra.

Renascido para a LoucuraOnde histórias criam vida. Descubra agora