fire and peace

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Heloísa e Leônidas não eram e nunca seriam um casal. Ela havia deixado isso bem claro depois da tarde que passaram juntos. Havia reafirmado para Leônidas que ele não deveria ter esperanças, mesmo quando ele insistia em parar a cada dez passos e roubar um beijo dela. Até mesmo quando Leônidas tirou o ar que havia em seus pulmões a encostando na porta do engenho e se declarando antes de beija-la de uma forma que a fez quase desistir de entrar em casa.

Não, eles não seriam um casal. Não importava que Leônidas sentasse ao lado dela em todas as refeições e fizesse carinho em suas costas, mesmo sob o olhar curioso de Violeta e Isadora. E, quando a irmã e a sobrinha perguntaram o que estava acontecendo, Heloísa disse a verdade: nada estava acontecendo, porque afinal, ela e Leônidas não eram um casal.

E não haveria de ser um problema lidar com esse status, porque conhecia Leônidas há mais de dez anos e estava acostumada a não ter um relacionamento com ele. Não havia nada de diferente em encontrar Leônidas todas as manhãs, como fazia há meses, ou esbarrar com ele nos corredores da própria casa. Aquela era uma rotina, e nada mudaria.

Mas, naquela semana desde o acontecido aquela tarefa estava se mostrando cada vez mais difícil. Os encontros pela manhã tinham olhares demorados e sorrisos escondidos quando as lembranças ocupavam suas mentes. Os esbarrões faziam a pele de Heloísa aquecer e eles demoravam tempo demais para se afastar. E aqueles carinhos durante as refeições ou a escolha dele de sentar ao lado dela em todas as refeições faziam seu coração acelerar.

Nada estava igual porque agora ela sabia exatamente como era estar nos braços de Leônidas, conhecia a sensação da pele dele em suas mãos, dos lábios de Leônidas nos seus. Sabia como a respiração dele soava em seu ouvido, o toque dele em seu corpo e como todos aqueles detalhes eram capazes de fazer com que se sentisse mais viva do que nunca.

Embora não quisesse ser feliz, não lembrasse sequer como era essa sensação, sabia que aquela tarde era um momento de paz em sua vida. Deitada no peito de Leônidas, sentindo carícias leves em seu corpo exausto, enquanto o silêncio era quebrado apenas pelos sons de pássaros e do vento, havia sentido paz. Um sentimento tão genuíno e desconhecido que quase assustava.

Agora, toda vez que o via, lembrava-se do fogo e da paz. De beijos longos, toques lentos e daquela sensação de calmaria. E ansiava desesperadamente por sentir aquilo tudo de novo. A única coisa que a impedia era saber que nada daquilo seria suficiente para que pudesse retribuir genuinamente os sentimentos de Leônidas. Não da forma como ele merecia.

Leônidas merecia ser amado por inteiro. Merecia alguém que pudesse olhar naqueles olhos verdes e declarar todos os sentimentos mais bonitos que existiam. Alguém que não tentasse calar as tentativas dele de declarar seu amor. Alguém que não era ela, que nunca seria ela. Não sem Clara. E Clara poderia nunca voltar.

- Está distraída, Heloísa. – Violeta comentou durante o jantar. – Aconteceu alguma coisa?

- Estou apenas cansada, Violeta. – Heloísa suspirou. – E Matias?

- Matias não passou bem o dia. – Violeta suspirou. – Acho que amanhã terei que chamar o Doutor Elias e...

- Acho que a tia Helô quer mesmo saber do Leônidas, mamãe. – Isadora interrompeu Violeta.

- Não diga bobagens, Isadora. – Heloísa revirou os olhos. – Apenas estranhei que o seu pai não jantasse conosco. O que acho ótimo, aliás. Poderia ser sempre assim.

Violeta e Isadora trocaram um rápido olhar, mas conheciam o humor de Heloísa e, naquele momento, nenhuma piada parecia bem vinda. E ela também não admitiria que estava sim sentindo a falta de Leônidas e sua presença inconveniente e tão esperada por ela. O que sequer deveria acontecer, já que eles não tinham nada.

Mas, não vê-lo durante o jantar fez com que Heloísa decidisse se recolher mais cedo. Talvez fosse o melhor mesmo. Se ficasse longe de Leônidas poderia deixar de lado aquela ansiedade de estar perto dele. E também o deixaria livre para seguir a vida. O melhor que poderia fazer era se dedicar às costuras.

E foi o que fez por cerca de meia hora, até uma batida na porta a distrair. Violeta e Isadora batiam na porta e entravam em seguida, e Matias jamais seria tão educado. Augusta e Manuela já deveriam estar recolhidas, e por isso seu pedido para que a pessoa entrasse foi recheado de ansiedade e com um coração que já estava acelerado demais para seu próprio bem.

- Boa noite, minha rosa. – Leônidas entrou sorrindo, escondendo algo nas costas.

- Leônidas. – Heloísa tentou esconder um sorriso, que se abriu assim que ele revelou a rosa que escondia.

- Para você. – ele piscou, entregando a flor. – Eu colhi mais cedo, mas o doutor Matias não teve um bom dia. Pretendia entregar no jantar.

- Não precisava de nada disso. – Heloísa levantou-se, levando automaticamente a mão ao colar. – Eu disse que...

- Que não somos um casal. – Leônidas sorriu. – Eu entendi, minha rosa.

Ele deu um passo em direção à ela, o que fez Heloísa dar um passo para trás.

- Mas eu gosto de trazer flores. Gosto do sorriso que você dá quando as vê. – ele disse com simplicidade. – Eu sou um romântico. Gosto de trazer flores, de poemas, e...

- Para. – Heloísa pediu, fechando os olhos.

Ele ficou em silêncio, mas ela manteve os olhos fechados, a tentativa de controlar a respiração. Porque falar de poemas e de flores era falar sobre aquela tarde, sobre a voz tranquila de Leônidas declamando poemas de amor enquanto seus lábios se tocavam e ele estava ali, tão perto, tão dela. E ao mesmo tempo era tão injusto com ele.

- O que foi, minha rosa?

Heloísa abriu os olhos, indo até ele. Segurou o rosto dele com as mãos, olhando profundamente nos olhos dele.

- Você precisa me esquecer, Leônidas. – ela disse, com a voz entrecortada, sentindo aquela dor fina voltar. – Você precisa me esquecer, porque quanto mais perto eu fico de você, mais eu quero ficar.

- E isso é ruim, minha rosa? – ele sorriu.

- Eu não posso retribuir da forma como você merece, Leônidas. Será que você não entende?

- Eu entendo seus olhos, Heloísa. – ele suspirou, acariciando o rosto dela. – Entendo o que vivemos naquela tarde, a intensidade do que sentimos. Eu sei que você também sente.

Heloísa fechou os olhos, frustrada. Pelo que ele dizia, pelo que ela sentia. Quando os abriu, Leônidas estava perto demais, o cheiro dele a levava para outro lugar e qualquer racionalidade parecia difícil. Ele esperava anuência, esperava entrega. E ela não sabia mais lutar contra o que sentia. Não com ele tão perto, com aqueles olhos de promessa.

Ela se deixou levar mais uma vez por aquele beijo que incendiava sua alma, que despertava a intensidade de sentimentos que Heloísa tentava esconder. De alguma forma ele a empurrou até a porta, trancando os dois em um mundo que ninguém poderia perturbar. Era tarde demais para desistir, e mais do que isso, Heloísa não queria desistir dele.

Era novo e ao mesmo tempo, já familiar. Como se não pudessem mais evitar o quanto queriam um ao outro, e agora que ela sabia como era estar com Leônidas, também não parecia capaz de não estar. Porque Leônidas a amava sem nenhuma restrição, com olhares, palavras, toques e beijos. E quando estavam tão entregues, ela também parecia capaz de ama-lo também.

No dia seguinte lidaria com as consequências, reafirmaria que eles não eram um casal, tentaria fazer Leônidas entender que havia um limite sentimental que ela não era capaz de cruzar. Pediria que ele a esquecesse, seguisse sua vida, buscasse outro amor. Abriria um sorriso discreto quando ele afirmasse que não desistiria. E no fundo esperava que ele não desistisse. Que continuasse voltando com rosas, poemas e beijos.

Com fogo, e com paz. E quem sabe um dia ela estivesse inteira.

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