06. A separação

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- Vão à merda! Vocês vão sair da porra do ônibus agora! - enfezou-se, o condutor, com os três sitiantes.

De imediato a intervenção verbal do motorista, os pneus gritaram sobre o asfalto. Sentiu-se o forte cheiro de freio gasto e borracha queimada no interior do veículo.

O mais alto dos indesejáveis desequilibrou-se em consequência da frenagem brusca. Sua queda foi comemorada com um sorriso sutil através do retrovisor.

Usando a borda da camisa, o indivíduo mais baixo limpou o sangue do nariz. Afetado pelo solavanco da parada brusca, a face foi de encontro ao suporte do banco à sua frente.

- Tá doidão, seu bosta! Dirige essa bagaça direito, porra! - retrucou, com uma mão sobre o nariz - Olha o que tu fez, doidão!

Ao fundo do veículo, estavam duas moças assustadas com o importunamento que sofriam. Eram as únicas passageiras presentes além dos três sujeitos impertinentes. Elas tremiam, observando a pixação obscena nas costas banco a frente, como se aquilo fosse uma premonição maléfica do que estava por vir. As mãos tremiam, nervosas, segurando a barra do assento à frente. Torciam os punhos, instintivamente, buscando um gesto pacificador. Ao fim do comprimento das saias, comprimiam seus finos joelhos um no outro, ocultando-os atrás do assento seguinte.

Em vista da queda do sujeito, elas se viram livres do obstáculo que ele formava. O outro, mais baixo, ainda se recuperava da pancada no rosto. Aproveitando o momento, as duas se levantaram e correram na direção da porta traseira.

- Moço! Abre aqui pra gente... Por favor!

Estapearam o vidro, suplicando pela saída do ônibus. O condutor meneou a cabeça e hesitou com a mão sobre a alavanca que libera a porta.

- Ei, seus merdinhas! Elas vão sair se quiserem! Vocês ficarão! - sentenciou, o motorista, com um autoritarismo quase professoral, olhando-os pelo espelho.

Na cabeça do condutor, surgiu um flagrante receio de que elas fossem seguidas, caso a porta fosse aberta naquele momento.

O motorista removeu o cinto de segurança, torceu o tronco para trás e observou o cenário.

O terceiro sujeito, sempre calado, saiu da inércia. Até então com a cabeça levemente abaixada, manteve-se afogado em um estado de transe anômalo, o qual lhe pintou uma expressão disforme, enfermamente boquiaberta, com as sobrancelhas assimetricamente trêmulas e os globos mirados no topo da cabeça de uma das moças. Abandonou sua postura obcecada, torceu o pescoço para a esquerda e nutriu seu olhar insano contra o motorista. Lançou um sorriso tão cínico quanto doentio, num gesto provocador. Levantou-se do banco em que estava atravessado e caminhou na direção da porta traseira, aumentando o pavor das moças.

- Ih! Olha lá! O mudinho gostou da ruivinha! - debochou, o mais alto, já recuperado da queda.

A jovem se sentiu imobilizada frente ao pavor causado pelo olhar silencioso. Arregalou os olhos clementes, refletindo neles a mão inclemente que crescia em sua perspectiva.

- Esse aí é taradão, hein menina... - acrescentou, sadicamente, enquanto esfregava o joelho magoado.

O homem abandonou o volante e partiu em direção ao fundo.

- Sai de perto da moça!

Mancando, o mais alto disparou um olhar furioso contra o condutor.

- Tá de onda comigo? Que porra é essa na sua mão?

Sobre a chapa do piso metálico, os passos lentos do motorista rangeram. Avançou metade do corredor, entre as fileiras de assentos. Uma das mãos à frente, com a palma apontada para o oponente como se fosse domar uma fera, enquanto a outra erguia uma ferramenta singular, que geralmente utilizava na manutenção de grandes motores. Tratava-se de uma chave de fenda, tão grossa quanto um dedo indicador e tão longa quanto um braço.

A protegida e o demônioOnde histórias criam vida. Descubra agora