Prólogo.

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Tudo estava escuro, molhado e barulhento, não conseguia me concentrar no meu próprio batimento cardíaco, e muito menos no que acontecia ao meu redor.

Sons de dentes rasgando a pele me deixavam enojada, assim como o cheiro fresco de sangue e os olhares que passavam a minha frente. A chuva, ainda forte, não conseguia abafar tamanho caos.

Nada parecia fazer sentido, e eu nem mesma sabia se isso era possível. Em um momento, minha vida era tediosa e preto e branco, e em outro, tudo virou uma guerra sem fim onde só havia vermelho. Não qualquer tipo de vermelho.

Vermelho sangue.

Meus pensamentos foram dissipados pelo beta conhecido a minha frente, que sem demora me sacudiu pelos ombros, os orbes amarelados entregavam o medo óbvio, assim como eu entregava o vazio em meus olhos.

Mas não era qualquer vazio, era o vazio do que eu via diante dos meus pés. O vampiro caído, a pele alva com veias escuras, as roupas cinzas e pretas destacando-o na grama molhada da colina, assim como o sangue que lavava sua boca, os olhos abertos e sem vida.

Eu deveria sentir tudo naquele momento, inclusive as feridas físicas. Mas, eu não sentia nada além do vazio.

O vazio de ter perdido ele.

O choque em meu corpo parecia ter enfim dissipado, me fazendo cair de joelhos e me rastejar na direção do vampiro caído, mas o beta prontamente me segurou contra seu corpo, me tirando o desejo da despedida. As lágrimas enfim caíam como água corrente, os gritos de dor rasgavam minha garganta, a força me fazia recuar do aperto do beta, mas de nada adiantava.

O beta provavelmente sentia o mesmo que eu, talvez até mais, seus sentimentos estavam bagunçados, mas eu sabia o porquê de tamanha bagunça.

A metros do vampiro caído, no topo da colina, o alfa esquivo tinha os olhos fechados enquanto seu peito sangrava com a espada que o atravessava. Ele parecia dormir, seus fios molhados e escuros estavam espalhados pelo rosto, assim como o que restou do que um dia fora seu moletom vinho, os fiapos rodeando seu corpo magro e ferido.

Em cima de seu corpo aos prantos, a vampira fúnebre gritava com lamento, seus olhos vermelhos expressavam o ódio e a dor com a cena a sua frente, ao mesmo tempo em que os caçadores tentavam a acalmar pela perda do alfa, os três estavam colados, mas só a voz da vampira era ouvida.

A caçadora intrépida abraçava a raposa com pavor, seus ossos tremiam e ela mal conseguia respirar. Dois de nossos amigos estavam mortos, e o medo de quem seria o próximo a atormentava, seus olhos encontraram os meus e eu logo pude compreender aquele medo, mas não pude o sentir.

O demônio astuto, diferente de todos, estava com a expressão vazia, os joelhos dobrados em frente ao topo da colina, como se só estivesse admirando a paisagem, mas seus olhos, levemente cobertos pelos fios ruivos, transbordavam culpa e remorso, assim como o sangue transbordava de sua mão, esmagando um coração humano.

Com tamanha dor e sofrimento naquela noite de Eclipse, eu apenas desejei dormir. Mas, eu sabia que era nulo, tudo aquilo estava acontecendo por minha culpa, e aquilo já bastava o suficiente para que a minha própria vida não valesse mais a pena.

Aquele único pensamento foi o que me fez vencer a luta contra o beta, me soltando com fervor de seus braços quentes, correndo na direção de quem estava vencendo a batalha, a metros do alfa que acalentava em seu sono eterno da morte.

Um grito foi o suficiente para que seus olhos escuros e medonhos voltassem a minha direção. O prazer e loucura transbordavam da íris escura, assim como sua espada trazia a leve ameaça de me levar ao sono da morte, e aquilo não pareceu uma péssima ideia.

O vampiro me esperava no outro lado, e eu não o perderia novamente. O pacto marcado em meu antebraço direito dizia isso.

Minha mente ainda me fazia querer lutar, vingar o vampiro caído e as outras vítimas, mas eu não queria mais lutar. O cansaço em meu corpo inteiro me deixava a segundos de desabar, mas eu sabia que seria algo passageiro, e eu não iria mais esperar.

O sorriso sorrateiro traçou sua boca, e eu soube que logo enfim descansaria nos braços frios daquele que um dia, ainda morto, salvou a minha vida.

Apenas um golpe foi o suficiente para me fazer ir ao chão com as mãos no peito, o sorriso terno em meus lábios pareceu contrariá-lo, ele não sabia o porquê de tamanha satisfação, mas sabia que era inútil questionar isso a um futuro cadáver.

O beta conhecido se ajoelhou diante de mim, suas mãos molhadas da chuva tatearam meu rosto, seus olhos outra vez transbordaram o medo genuíno, seus lábios tremiam, e sua voz nunca saia. Mas eu sabia o que ele queria dizer, e eu não iria repreendê-lo por isso.

Meu último suspiro foi ouvido, e logo então, eu descobri que a morte era surda, muda e cega. E para o meu eterno descanso, eu não esperava nada além disso.

When The Night ComesOnde histórias criam vida. Descubra agora