O aroma terroso da camomila emana da xícara em minhas mãos, impregnando a sala de leitura em que me encontro, causando uma sensação de relaxamento e bem estar. Observo o vapor subir suavemente, agradecendo pelo calor bem vindo em meus dedos enregelados e inspiro profundamente o ar. Também é possível sentir um toque doce e levemente ácido no ambiente.
Me recostei na poltrona, aproveitando a solidão para ter um momento de reflexão e, querendo me sentir um pouco mais confortável, tirei os sapatos. Adorava a sensação da madeira sob meus pés, sua estrutura irregular roçando minha pele quando os esfregava no piso aquecido.
Meus olhos buscam a lareira, passando por sua estrutura em pedras de cor cinza escuro em contraste com a parede de tonalidade clara. Meu olhar continua vagando até encontrar a fotografia em cima da prateleira, onde Muriel, minha única filha, estava sentada em um balanço e sendo empurrada por mim. Os cabelos cacheados e longos, de um tom intenso de ruivo, esvoaçavam ao seu redor como um véu de seda, e era banhado pelo sol poente. Com um sorriso nostálgico, dirijo meu olhar para o fogo crepitante à minha frente.
Quem me visse naquele momento, poderia dizer que me encontro em um estado de letargia, mas eu estava completamente consciente do ambiente ao meu redor. Do estofado macio nas minhas costas, do crepitar do fogo na lareira e a forma hipnotizante com que as chamas se moviam, como se envolvidas em uma dança única e particular, do calor reconfortante que parecia me envolver em um aconchego, do cheiro inebriante dos livros misturados ao da camomila que preenchia cada canto do cômodo.
Lá fora, a chuva forte castigava o telhado e as janelas. Meus olhos se voltam para o exterior ao captar um clarão pela visão periférica. Não demora muito para que o som alto do trovão ecoe pela pequena sala de leitura, fazendo com que o vidro estremeça ante a força potente da natureza.
Mentiria se não dissesse que me encolhi diante de tamanha fúria. Era uma noite escura, sem o brilho da lua para permitir que visse com precisão o que acontecia lá fora. Mesmo assim era possível ver alguns galhos das árvores balançando violentamente devido aos fortes ventos, graças a claridade aqui de dentro, que emitia uma luz tênue do lado de fora.
Um movimento incomum chama minha atenção, e procuro forçar um pouco mais minha vista já cansada, porém o mau tempo me impediu de enxergar o que era, talvez algum animal tentando fugir do temporal. Outro clarão iluminou lá fora quando um raio cortou o céu noturno, e imediatamente levei minhas mãos até a boca, os olhos arregalados pelo choque.
—Minha nossa! —As palavras saem baixas de minha boca, se perdendo em meio ao barulho da tempestade.
Tento assimilar o que tinha visto e, embora agora tudo estivesse escuro de novo, eu não tinha dúvidas do que meus olhos tinham captado.
Lá fora, em meio ao temporal, encontrava-se uma mulher.
Gostaria de dizer que fui rápida ao me levantar da poltrona e ir em direção a porta, mas a verdade é que tenho a lentidão de uma pessoa idosa.
Ao me colocar de pé o mais rápido que podia, derramei o líquido amarelado e fumegante em minha roupa. Praguejando baixinho, ao colocar a xícara na mesinha ao lado e caminho meio encurvada até uma escrivaninha. Minhas mãos abrem a gaveta com precisão e rapidez, o que me faz dar um sorriso vitorioso, ainda não estava totalmente inválida.
Procuro pela lanterna que Muriel costuma deixar por ali, em caso de alguma emergência e, ao encontrá-la, meus dedos finos se fecham ao seu redor.
Meus passos são arrastados e mais lentos do que queria ao me deslocar até a porta. Por falta de tempo, não procuro nenhum guarda-chuva, mesmo porque, tenho certeza de que não seria de muita serventia com um tempo desses.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Herdeira de prata: O ritual
FantasyEm uma das noites mais tempestuosas da Escócia, uma mulher misteriosa aparece na porta da casa de Elsie e Muriel, próxima a dar a luz. Após uma noite intensa, onde as duas realizam o parto com recursos escassos, descobrem que a mulher misteriosa de...