Pare o mundo que eu quero descer!

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Li alguma vez, em algum lugar, que a adolescência é como uma massa de bolo que ainda não está pronta, que gruda nos dedos, na palma da mão, na parede, em tudo, transbordando sofrimento e ansiedade num ritual cruel, e que a infância é uma espécie de sono profundo, uma dimensão diferente, e que ao sairmos dela despertamos dentro dessa meleca toda, onde ficamos grudados, lutando bravamente para nos libertar.

Nome: Charlie

Idade: 17 anos

Status: SEM PACIÊNCIA

A pergunta que não quer calar: como alguém, em pleno uso de suas faculdades mentais, vivendo dentro do mesmo planeta e respirando o mesmo ar, pode afirmar aos quatro ventos que a melhor fase da vida é a adolescência? Que as nossas preocupações, seres humanos que não são mais crianças mas também não são adultos, se resumem a ir para escola, tirar boas notas e CURTIR.

Curtir o quê, pelo amor do Criador?

Qual é a curtição em não ter dinheiro para sair, pais e professores pegando no seu pé e não poder acessar a internet, games ou televisão durante a madrugada? E a escola? Partindo da premissa de que alguns conhecimentos são necessários para desenvolverem as propriedades cognitivas do cérebro, não podemos deixar de reconhecer que uma boa parte do que se aprende é inútil. E não digo isso, tipo, jogando conversa fora, querendo desmerecer a importância de se ter uma boa formação acadêmica, mas, de boa, me convençam da relevância em aprender a distinguir dinossauros! Por acaso existe a mais remota possibilidade de esbarrarmos com algum fóssil perdido dando sopa por aí? E a famigerada matemática, com aquelas fórmulas absurdas, xis e ipsilons se multiplicando como coelhos? Se o seu ideal não for se tornar um matemático, um engenheiro civil ou um economista, em que momento da vida vai utilizar matrizes quadradas e determinantes?

Pois, é. Estou estressado. Estou revoltado. E muito, muito nervoso. Minha vida está mudando, ou melhor, já mudou e de uma hora para outra. Há um mês eu tinha uma família perfeita, morando em um apartamento show de bola, amigos, minha rotina, até que meus pais concluíram que a convivência entre eles não era mais possível e decidiram vender nosso apartamento, dividir o dinheiro e seguir com suas vidas...

E a minha vida?

Nas últimas duas semanas eu estou tendo que me despedir dos meus amigos ao mesmo tempo em que venho doutrinando o meu cérebro com a ideia de que deixar para trás a minha existência na capital carioca é o melhor a ser feito. E isso tomando por base a linha de raciocínio da minha mãe, que afirma de maneira entusiástica que apesar dos aspectos negativos e das perdas proporcionadas por este momento, há um mundo inteiro de descobertas pela frente.

Oi? Um mundo inteiro?

Estamos nos mudando para um lugar de nome Laranjeiras, onde mora minha avó, porque minha mãe acha que não terá força suficiente para continuar habitando o mesmo apartamento e cidade em que viveu praticamente toda a vida de casada, só que esse tal lugar fica no interior de Minas Gerais, a 189 km de Belo Horizonte, ou seja, três horas e três minutos de viagem, e isso, claro, por terra, já que não existe sequer um aeroporto construído lá no mundo de Oz.

Será que ela, a minha genitora, consegue imaginar o impacto que essa mudança terá para um garoto de dezessete anos que passou toda a sua vida em uma metrópole e de repente precisa adaptar todo o seu mundo, suas referencias e suas diretrizes para se transformar em um Jeca Tatu, um Chico Bento, dobrando as palavras, com os pés descalços e um pedaço de mato pendurado no canto da boca?

Claro que fui pra internet pesquisar o modus vivendi da cidadezinha da minha avó, ate porque só estive lá uma única vez quando tinha uns cinco anos de idade e nunca mais voltei. Juro que tentei seguir adiante com a minha busca, mas assim que acessei a primeira imagem do lugar e me deparei com a via principal dividida por um canteiro extenso, tipo aqueles da primeira metade do século XX que cruzavam a Rio Branco, e, como se não bastasse, também uma carroça estacionada com um cavalo ou burro engatilhado nela, não deu, desisti e fechei o note com uma vontade absurda de fazer minha mala e sair correndo pelo mundo ou ir para Curitiba, junto com meu pai, que aceitou uma proposta de trabalho por lá, mas ainda não pode ficar comigo porque precisa se estabelecer.

A difícil arte de ser eu, CharlieOnde histórias criam vida. Descubra agora