Não consigo. Não consigo. Simplesmente não consigo.
— Charlie?
Sim. É a voz do meu pai, do outro lado da linha...
— Charlie? Charlie?
Só que não consigo responder. Não consigo falar...
— Charlie? Você está aí? O que houve?
É a voz do meu pai, do outro lado da linha... Sim. Sim. E ela ecoa ao longe, como se estivesse no outro lado do mundo e não quase ali, em Curitiba, constato durante o tempo que sigo mirando o teto, ao passo que meu cérebro é invadido brutalmente pelas palavras que eu e dona Jane trocamos há pouco.
"Não importa o quanto a vida possa ser ruim, sempre existe algo que você pode fazer, e triunfar. Enquanto há vida há esperança". Só que não há Stephen Hawking. Estou perdido. Completamente perdido. Não sei exatamente que papel me caberá na encenação desse drama. Nessa tragédia anunciada que está por vir e que irá acontecer logo depois que eu cruzar definitivamente a fronteira da realidade da qual ainda faço parte, para, então, viver, ou melhor, subsistir naquele fim de mundo.
"Você acha mesmo, Charlie, que eu estou adorando ver tudo isso de pernas para o ar? O meu apartamento, a minha existência e tudo mais? Não foi uma decisão fácil de ser tomada...".
Fecho os olhos. Sou uma vítima. Sim. Esse é o meu papel. Eu sou uma vítima e preciso descartar qualquer indefinição que me afaste dessa certeza.
"Você já está fora da sua escola há uma semana, e lá, em Laranjeiras, sua matrícula está feita, como bem sabe. Não podemos nos dar ao luxo de tê-lo tanto tempo afastado assim dos estudos. É seu último ano do ensino médio...".
Uma vítima das circunstâncias, uma vítima das circunstâncias já que eu não tive, já que eu não tenho o poder de escolha nessa partida, nesse jogo que meus pais vêm jogando há anos.
"Se fosse menos egoísta, meu filho, a notícia da separação, minha e de seu pai, não teria sido uma surpresa para você".
Nesse jogo...
Nesse jogo...
Como em qualquer jogo o vencedor leva tudo e o perdedor, claro, só resta lamentar, pequeno, ridicularizado ao lado da vitória.
Abro os olhos e respiro... Inspiro... Expiro...
Ouço meu nome sendo chamado...
A voz do meu pai...
Ouço... Ouço... A voz do meu pai...
Ela está longe? Está perto?
Nesse jogo da vida, apesar de existirem apenas dois oponentes, meus pais, o perdedor fui eu, um terceiro, um mero espectador sem qualquer poder de decisão, me restando apenas o papel de vítima nesse drama familiar, já que não tenho certeza se meus pais sentem pena de mim, desprezo ou simplesmente não se importam comigo.
— Charlie? Charlie? Você está aí?
A voz grave e aveludada de meu pai me traz de volta, atirando-me sobre a cama, sob o teto do meu quarto, no presente, neste maldito tempo presente que eu daria qualquer coisa para que não passasse de um sonho ruim.
— Oi! — consigo, por fim, dizer alguma coisa. As palavras atiradas um tanto apressadas enquanto o celular oscila entre o ouvido e a mão trêmula.
— Charlie? O que houve?
— Nada — respondo automaticamente — Quer dizer, tudo — complemento, intenso e profundo no instante seguinte.
— Não entendi...
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A difícil arte de ser eu, Charlie
Fanfiction"Não é porque um capítulo foi ruim, que você deve desistir da história inteira". A adolescência, por si só, é uma fase conturbada na vida de qualquer pessoa, e para Charlie, um jovem de 17 anos, não é diferente. Entretanto, ele não contava com as so...