A vida é um jogo. Isso, um jogo com personagens, testes, fases, dificuldades... Parecido com aqueles de videogame. Sinto informar desta maneira, mas é a mais pura verdade: a Terra é, e sempre foi, um grande tabuleiro.
Há milhares de anos alguns seres celestiais, cujas existências estão muito além da compreensão da mente humana, decidiram criar uma nova espécie e testar como eles reagiriam convivendo uns com os outros e se seriam capazes de evoluir por conta própria. É nessa parte que entram os humanos.
O jogo nunca teve roteiro definido. A essência da humanidade foi criada, emoções e racionalidade limitados foram dados a eles e o resto se fez a partir das consequências de toda e qualquer ação realizada lá.
Também nunca houveram muitas regras, mas o modo como os humanos sairiam do planeta foi um ponto muito discutido. Por fim, decidiu-se que haveria muitos deles se fossem feitos imortais e uma certa quantidade de anos foi delimitada para cada ser humano na Terra. Assim, até que ninguém descobrisse como zerar o jogo, as pessoas que atingissem seu tempo limite voltariam de encontro à sua não existência primordial.
Sim, há um jeito de zerar o jogo e se isso acontecer, todos os humanos avançarão para um próximo nível de existência: um nível mais abstrato, talvez o que as pessoas chamariam de evolução. E a chave para que a humanidade vença está contida em um pote com areia. Areia e uma pedra com as instruções para dar fim ao experimento. Simples assim, mas ninguém nunca soube disso. Bom, até agora.
É uma tarde alaranjada no litoral do Sul brasileiro. Uma mulher de pele escura e cabelos repletos de cachos caminha tranquilamente pela areia da praia. Na mão esquerda ela carrega o par de chinelos floreados, segurando-os pelas tiras. A mão direita fica livre para que possa tocar na água e na areia.
Veste um macacão amarelo que realça sua pele, fazendo qualquer um duvidar do fato de ela já ter vivido quase três décadas. O macacão largo esvoaça com o vento, criando um movimento de ondas... Parecido com as ondas do mar.
Ela se chama Coral e talvez o nome tenha encontrado seu caminho até ela, pois a mulher sempre manteve uma paixão muito forte por tudo o que envolve o oceano. Enquanto caminha, ela deixa o som das ondas acalmar sua mente e se permite esquecer de todos os problemas, responsabilidades, dilemas... Tudo é carregado para dentro da água, fazendo a mulher se sentir leve.
Ela caminha em linha reta, deixando pegadas na areia molhada. Tais pegadas logo desaparecem, assim que uma nova onda quebra na costa e a água retorna ao oceano. Olhando para o chão, para as ondas suaves que chegam na costa, ela reflete que "quebrar" não parece a melhor definição para elas. É mais poético, mais suave, mais inspirador. Aquilo a acalma e a distrai, como poucas coisas na vida são capazes de fazer.
Em meio a essas mesmas ondas, objeto de reflexão da mulher, um pote com areia e pedra flutua e se revela na superfície. O sol incide sobre ele, fazendo com que brilhe tanto quanto a água que o rodeia.
O balanço das ondas em alto mar também é tranquilo nesta tarde. A areia dentro do pote é fina e clara e se movimenta de um lado para o outro, conforme o pote navega sobre a água. Ele parece não ter direção definida: não se sabe de onde veio e não se sabe para onde está indo.
Peixes nadam ao redor dele e o encaram com curiosidade. O que seria aquilo ali? A aparência é estranhamente natural, como se o objeto pertencesse ao oceano, mesmo sendo feito de vidro e tampado com uma rodela de madeira compensada. Ou ao menos é a impressão que os peixes têm dele.
Uma tartaruga tenta mordê-lo, na esperança de conseguir tirar alguma comida dali. Sem sucesso. Mergulha e retorna ao fundo do oceano.
O sol faz com que o pote adquira uma tonalidade laranja, assim como todo o cenário em volta. Os raios solares vão ficando mais fracos e fazem com que Coral se questione se a vida tem algum tipo de propósito. Se as ações dela foram escritas em algum roteiro místico e se ela está seguindo tal roteiro... E se ela tem a opção de não seguir.
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Areia, Pedra e Mar (conto)
Short StoryE se a vida na Terra não passasse de um jogo criado para testar os seres humanos? E se houvesse um jeito de zerar esse jogo? Coral, uma mulher atenta aos detalhes, sai para uma caminhada rotineira pela praia em um fim de tarde. Aquele parece ser mai...