1. A Notícia.

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Fitei o fundo da chávena de café vazia. Uma jovem de tez negra, cabelos castanhos escuros ondulados caindo em cascata até ao peito, grandes olhos castanho-avelã emoldurados por longas pestanas e encimados por sobrancelhas perfeitamente delineadas olhava-me de volta, com uma ruga de preocupação bem vincada na testa, atribuindo-lhe uma aparência mais velha que os 18 anos que tinha.

Já tinha esgotado a conversa de conveniência e os argumentos para continuar a fazer tempo, a adiar a revelação, a conversa que teria inevitavelmente de se seguir. Um assunto desta importância, desta magnitude, não podia simplesmente ser esquecido ou ignorado. Estava num beco sem saída, encurralada, e a revelação iminente caminhava rapidamente para mim. Se não a enfrentasse, destruir-me-ia em escassos segundos.

Levantei a cabeça. À minha frente, distraído a ler as notícias principais do jornal diário estava Luke. Luke Brown. A simplicidade e beleza do seu nome fazia jus à sua personalidade e aparência. Alguns meses mais novo que eu, Luke era dotado de uma beleza inigualável, pondo-me a cabeça a andar à roda de cada vez que olhava para o seu rosto angelical. Tudo nele era perfeito, desde a pele cor de café com leite, os olhos quase negros e os cabelos encaracolados, sempre rebeldes e indomáveis, nos quais só a mim era permitido tocar.

"Hum, Luke...?" exprimentei. A minha voz saiu rouca e num tom bastante baixo, mas ele pousou imediatamente o jornal e fitou-me com um sorriso convidativo, esperando que eu falasse. Era agora ou nunca.

"Eu fiz o teste. Deu positivo." disse, de chofre. Arrependi-me no momento em que fechei a boca, rezei para que só tivesse proferido aquelas palavras em pensamento, mas não. Luke fitava-me com uma expressão de profunda confusão estampada no rosto.

"Teste...?" A sua inocência, a forma como não fazia ideia do que estava a vir atingiu-me em força. Por um momento tomou conta de mim a vontade de nada lhe contar, de o proteger desta terrível verdade. Mas uma última réstia de coragem surgiu, entendi que por muito desolador que fosse, por muito que as palavras que proferiria dentro de alguns instantes originassem uma tamanha reviravolta na sua vida, Luke merecia a verdade e nada mais que a verdade. Tomei então a última golfada de ar antes de dar o passo que o arrastaria para o rodopio de emoções no qual já me encontrava havia um par de dias.

" Não. Não, Luke. Teste de gravidez. Eu fiz o teste. Estou grávida." afirmei, a água que faltava na minha boca acumulando-se nas palmas das minhas mãos.

"Grávida... Grávida?!" Luke olhava-me daquela maneira intensa, que eu adorava e que numa situação habitual me acenderia por dentro, mas naquele momento os seus belos olhos só me fizeram sentir mais culpada, conseguiram aumentar o peso que sentia na minha consciência por lhe estar a dar uma notícia tão aterradora desta forma tão fria e cruel.

Optei por tomar aquela pergunta como retórica e limitei-me a selar os lábios, fechando-me sobre mim mesma e esforçando-me ao máximo por controlar a tempestade que parecia querer brotar de mim.

"Mas...?" Não lhe permiti que passasse de uma só palavra com entoação de interrogação, pois a última coisa que desejava era ter mais uma pergunta sem resposta a vaguear pela minha cabeça, a aproximar-me da loucura. 

"Tenho a certeza absoluta que estou grávida." Nunca pensei que uma quantidade tão pequena de palavras pudessem causar tanta dor ao serem proferidas. Aquela certeza obtida pelos inúmeros testes, obtendo consecutivamente o mesmo resultado ainda não tinha sido proferida em voz alta de forma tão confiante e fazê-lo ainda realçou mais o quanto eu me sentia perdida, desesperada, incerta acerca de tudo.

Fechei os olhos e cerrei os punhos. Aguardei pelas lágrimas. Pelo pânico. Pelas perguntas existenciais às quais ninguém parecia ter resposta. Aguardei pela reação que eu tivera. No entanto, essa tempestade, essa explosão não aconteceu. Luke segurou-me nas mãos, respirando com dificuldade, mas sorrindo, e disse:

"Theresa, nós vamos ser pais! PAIS!" Teria ficado menos surpreendida se ele me desse um murro. Ele estava feliz. Feliz. Fiquei completamente estupefacta, sem reação. Não fui capaz de responder àquela inesperada resposta de pura alegria quando todas as cores da minha vida pareciam ter sido sugadas com a chegada daquela notícia.

"Eu sei que não será fácil. É uma notícia muito inesperada, mas nós conseguimos fazer isto funcionar! Juntos sei que sim!"

Fitei-o longamente, à espera que caísse na realidade, mas o tempo passava e a expressão sonhadora e satisfeita não lhe saía da cara. Senti como que uma obrigação em chamá-lo à realidade. "Luke, ainda nem sequer terminámos o 12º ano, não temos qualquer fonte de rendimento. Temos 18 anos, caramba! Como é que és capaz de reagir assim a uma coisa destas?!"

Ele parecia incapaz de dar o braço a torcer e insistia, encarando a situação como se se tratasse da melhor coisa do mundo."Eu sei que somos muito novos e que a tua gravidez não surgiu exatamente no momento ideal, mas um bebé é sempre uma dádiva, uma benção e nós vamos recebê-lo de braços abertos!"

Decidi render-me às evidências e aceitar que as nossas opiniões divergiam muito acerca deste assunto. Também não era ele que agora sabia que tinha um ser humano a desenvolver-se dentro de si! Não era ele que teria de passar pelos horrores de um parto dali a menos de 9 meses! Eu era apenas uma jovem, que ainda me sentia criança, e não estava definitivamente preparada para ser obrigada a crescer de forma tão repentina!

Na meia hora seguinte ouvi-o a falar de tudo acerca do bebé. Eu limitava-me a acenar com a cabeça ocasionalmente, pois na realidade não estava a prestar atenção. Por mais que tentasse, não conseguia partilhar com ele aquela alegria, euforia da paternidade. Este bebé ainda era tão pequeno, tão insignificante e já estava e decidir a minha vida, a afastar os meus sonhos e o futuro que desejava para mim!

Tive que forçar a despedida, pois a certo momento já não conseguia ouvi-lo falar mais sobre aquele assunto. Despedi-me de uma forma um pouco fria e distante, para variar e, rejeitando educadamente uma oferta de boleia até casa, abandonei o café e pus-me a divagar pelas movimentadas e ocupadas ruas de Nova Iorque. Caminhar pelas ruas desta maravilhosa cidade sempre me acalmou mais do que dar um longo passeio pelos intermináveis jardins de minha casa. Pode parecer estranho, mas observar as pessoas que circulam apressadas de um lado para o outro, espreitar para dentro das montras das lojas, sentir o vento causado pelos carros a passar a grande velocidade sempre teve um grande efeito calmante em mim.

Não sei ao certo quanto tempo caminhei, mas o certo é que fui ter a uma rua bastante conhecida. Era uma rua habitacional, ligeiramente recuada da confusão do centro da cidade, constituída por prédios acinzentados, que nunca tinham mais do que 6 andares e eram maioritariamente ocupados por famílias de classe média e média-baixa. A rua onde morava o meu melhor amigo desde há 15 anos, Michael Murphy.







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⏰ Última atualização: May 24, 2016 ⏰

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