Capítulo 1

21 4 1
                                    


  Aquele dia começou com a mesma normalidade monótona de todos os outros. Fui despertado pelo som estridente e insistente do alarme do celular próximo à minha cabeça. Com ódio, desliguei o alarme que, mais uma vez, me acordou para aquela rotina de merda que minha vida havia se tornado. Passei alguns minutos lendo tweets aleatórios e vendo os diversos nudes postados durante a madrugada sempre com a mesma legenda ridícula dizendo "antes de dormir eu apago".

  - Essas pessoas morreriam se não recebessem sua dose diária de atenção. - falei com desdém.

  Rolei meu feed por mais alguns minutos antes de ver alguém indignado com um crime brutal que acontecera em uma favela qualquer. Pulei toda a parte chata onde descrevia detalhes entediantes sobre a vida das vítimas e a motivação dos criminosos e atentei-me à parte onde o autor da thread descrevia a forma como as vítimas foram encontradas e o que havia acontecido com elas antes da morte. Procurei as fotos e vídeos, mas todos estavam borrados para esconder o gore contido nas imagens. Entretanto era possível ouvir os gritos de desespero em meio aos xingamentos e palavrões proferidos pelos bandidos. Fechei os olhos e me concentrei nos sons de agonia e sofrimento deleitando-me com cada nota de desespero emitida por aqueles lábios, por algum motivo era estranhamente prazeroso ouvir os gritos daquelas pessoas desconhecidas.

  - Gabriel. - Minha mãe estava parada do outro lado da porta dando suaves batidas, sua voz apresentava a mesma ternura de sempre. - Levanta filho. Estou saindo para trabalhar, levante antes que se atrase pra aula.

  Tendo sido retirado de meu transe e, mais uma vez, puxado para a realidade, não vi motivos para continuar adiando o inevitável e comecei a me arrumar.


  A única pessoa verdadeiramente suportável daquele inferno havia faltado sem me avisar, eu teria que passar a manhã toda aguentando aqueles idiotas sozinho. Eu realmente preferia ficar sozinho do que ser obrigado a fingir simpatia em um bando de interações forçadas, mas isso não era exatamente uma opção. Apesar de tudo, eu não queria ser tido como o "esquisitão" isolado da escola.

  Sorri cumprimentando todos que acenavam ou me chamavam, mas só abri a boca para falar com quem falava comigo em uma distância em que não fosse possível usar a desculpa de não ter ouvido.

  Meu plano de interação mínima foi por água abaixo quando a professora, logo na primeira aula, obrigou-nos a formar grupos para discutir o texto que ela havia passado. Era óbvio que ela sabia que ninguém realmente faria o que foi solicitado, mas ainda sim optou por esse "método de ensino".

  - Velha preguiçosa. - Praguejei ao notar outras quatro pessoas se juntando a mim. Dentre tantos grupos, fiquei justamente naquele onde os membros possuem tudo o que eu mais odeio.

  - A gente tomou a liberdade de sentar aqui. Você é exatamente quem a gente precisava para preencher o grupo. - Bruno, o outro garoto do grupo, me olhava fixamente enquanto falava e se movia de forma ridícula tentando, de alguma forma, parecer sensual.

  Assim como previsto, os grupos conversavam e faziam bagunça. O meu não era diferente, aqueles quatro imbecis conversavam sobre as coisas ridículas de que suas vidas deprimentes eram feitas, descreviam experiências comuns e flertes ridículos como se fossem as maiores descobertas da humanidade.

  Apesar de achar tudo aquilo idiota e banal, não me incomodava estar cercado por eles desde que não me incomodassem. O grande problema é que eles eram incapazes de me deixar em paz.

  Bruno e Júlia não paravam de me olhar e tentar me colocar no meio de qualquer assunto que estivessem "discutindo". Tentei ignorar os olhares e as constantes jogadas de corpo que faziam para se aproximar mais de mim cada vez que falavam aquele apelido ridículo que eu tanto odiava, mas a cada segundo eu ficava mais irritado com aquela situação. Os dois eram conhecidos por terem beijado e transado com a maioria dos alunos daquela escola, quando eles escolhiam alguém ficavam com esse jogo imbecil para ver qual dos dois conseguia primeiro e agora eu havia sido o escolhido.

  Sentia meu sangue ferver e meu corpo esquentar mais a cada nova aproximação de algum dos dois. Podia sentir cada célula do meu corpo tremer com o ódio de estar sendo vítima do jogo deles, porém era incapaz de dizer se estava externando esse sentimento de alguma forma.

  "Mate-os." Meu instinto gritava dentro de mim. "Essa é a chance de realizar seu sonho. Mate-os agora, na frente de todos. Quebre seus pescoços, corte suas gargantas, abra suas barrigas e tire os órgãos. Faça esses vermes implorarem por suas vidas".

  Um sorriso de canto se formou em meus lábios enquanto eu imaginava as diversas maneiras em que eu poderia infligir sofrimento àqueles dois. Pensar nos olhares deles implorando por misericórdia, seus gritos de socorro, os olhares perplexos dos outros alunos enquanto assistiam... Aquilo era tão prazeroso de imaginar que conter a minha vontade se tornou quase impossível naquele momento. Usei o pouco de racionalidade que me restou para criar o plano de como tudo seria executado sem que ninguém me atrapalhasse.

  A primeira coisa de que acusavam um assassino de mulher era de feminicídio e tentam encontrar motivos que expliquem o suposto ódio que aquele indivíduo tem por mulheres. Buscam fatos isolados e, na maioria das vezes, sem ligação alguma a fim de encontrar alguma motivação para o crime. Em crimes contra pessoas lgbt+ era o mesmo tipo de discurso, mas sempre tentando encontrar um motivo que explicasse a homofobia do criminoso. Eu teria que escolher entre ter meus atos resumidos à misoginia ou homofobia. Pensar que eu seria resumido a motivações tão ridículas e superficiais me irritava, eu desejava que todos soubessem dos meus reais motivos e precisava encontrar uma forma de deixar isso claro.

  Deus, eu odiava fazer as coisas sem a devida preparação.

  - Gabbe? - Bruno me chamou, tirando-me de meus devaneios. Ele havia colocado um pedaço de papel sobre uma de minhas mãos e, com os olhos, sinalizava para que eu pegasse.

  "Vamos sair depois da escola?" Seu olhar malicioso e esperançoso me encarava fixamente ansioso por uma resposta positiva.

  Aquele bilhete selou o destino dele. Eu ainda não havia escolhido ninguém até aquele momento, mas aquilo seria tentador demais para ser negado. Sorri para o pedaço de papel sabendo que meu sorriso seria interpretado de forma errônea e escrevi uma breve sentença antes de devolver o bilhete.

  "Conheço o lugar perfeito."

GabrielOnde histórias criam vida. Descubra agora