É, segundo creio, um pouco ríspido

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    Becky estava sentada frente a frente com seu amigo, irmão do seu outro amigo, Desmond. Os dois haviam saído para comer após o dia cansativo na escola. O Desmond já estava na faculdade, extensão da academia Edens de Franz. Cursava adequação da física em áreas da aeronáutica, um curso muito específico, que só tinha na filial em Ostânia. Mesmo assim, Demetrius não deixava de atentar maior parte do seu tempo em encontros com a jovem Blackbell e outras relações sociais, como "cuidar" do irmão mais novo, dar uma volta pelo campus e até mesmo ir, de vez em quando, fazer uma surpresa, muito irritante, até para os seus ex-professores da Edens colegial.
    Isso tudo não passava de relações que Demetrius achava necessárias manter. Tanto pelo título recorrente de ser o novo "senhor Desmond" quanto, de forma respectiva, a missão de manter contatos e mais contatos em nome da família. Mas por trás disso havia ainda um motivo oculto do íntimo do seu coração, que ele ainda não deixava transparecer facilmente nem para si mesmo. A necessidade de estar constantemente junto de mais alguma pessoa, estar sempre ao abrigo dos maus pensamentos na companhia de outro alguém qualquer. Estar sempre com medo de que, sem estar próximo de alguém, o mal tome conta de seus pensamentos, que seus medos transpareçam além da conta, que sua verdade, escondida para todos, seja contada por aí como semelhante frescura que ele responde "estou bem" aos "contatos" e mais "contatos" que, ora sim, ora não, é obrigado a ter.
    "O novo senhor Desmond é muito forte! Aconteceu tudo aquilo com o pai dele…mesmo assim ele consegue sorrir por aí e estudar tanto quanto antes, sem parar de forma alguma!" É o que ele sempre ouvia entre cochichos e mais cochichos. 
    "Ora…o NOVO senhor Desmond, meus caros, é o último homem que o antigo Desmond gostaria que assumisse seu lugar!" Ele pensava sempre, em resposta com um sorriso falsamente feliz e improvisado no rosto.
    Becky, por outro lado, fora sempre a mesma menina alegre durante toda sua vida. Obviamente que teve momentos onde brigou com Anya e os colegas, mas tendo sido poucas vezes, esses momentos não eram muito lembrados. A Blackbell sempre estudara alegremente e sempre se esforçou para tirar as melhores notas, as vezes conseguindo. Ela amava viajar também, e amava, com todo coração, o Japon, país de onde veio Koji e ainda de onde brincavam que Demetrius havia vindo, por seu olho ser um pouco puxado. Becky, sendo sempre uma garota alegre e esforçada, sempre ajudara Anya e os outros a caminharem com seus próprios pés, sendo nos estudos, sendo nos relacionamentos. Com Anya ela tinha uma relação especial, como se fossem irmãs de outra mãe, mas Becky, em seu interior, fazia de tudo para que a garota Folger não se tornasse uma dependente da relação, embora ela mesma sendo mais dependente que a amiga.
    Talvez por conta de toda essa relação forte que Becky fundou com os colegas, Damian estando fora da jogada indo morar em Franz, resultando num Ewen e Emily mais bem comportados, George pôde notar todas as qualidades que a garota tinha, sem contar a pequena parcela de sua personalidade forte e convicta quando mais novos. George era um garoto quieto e que somente o tempo fez com que se abrisse aos amigos. Ele sempre se esforçou para estudar, claro, mas sua verdadeira paixão era o ato de congelar momentos através da luz, ou em outras palavras, fotografar. George amava fotografar pessoas e momentos, amava a forma aleatória que as pessoas saíam em fotos espontâneas, mostrando o que eram elas mesmas. Por exemplo, a primeira vez que teve um contato sério com uma câmera fotográfica, aos seus sete anos de idade: a escola lhe emprestou uma máquina fotográfica com a qual ele honrou a missão de fotografar os bastidores do teatro da sala. Foi aí, quando captou, segundo sua própria opinião, a foto mais bonita que já tirara antes, quando Damian fitava corado e disperso a garota Folger mostrando seu figurino para Becky.
    Duas emoções lhe tomavam sempre que via essa foto pendurada em sua parede por quatro alfinetes coloridos, na falta de um porta-retratos digno, segundo essas suas palavras. A primeira era manifestada de forma triste e vazia, quando notava que aqueles tempos não voltavam mais, assim como sua relação de admirador distante de Becky. Agora, com seu amor escancarado, olhares tortos e tímidos o deixavam completamente sem jeito. Outro sentimento que as fotos lhe proporcionavam era uma feliz lembrança de saudades e, ao mesmo tempo, realização. Pois o grupo estava inteiro novamente, com o mesmo estilo de antes, embora com alguma tensão entre os personagens.
    -O que fez hoje?- Demetrius perguntou para a colega enquanto se preparava para colocar um pedacinho se batata na boca. A garota assustou-se com a pergunta repentina, pensando que talvez tamanha seriedade e tensão estivesse atrelada diretamente com o fato de não ter prestado muita atenção o dia todo nas aulas…motivo esse por estar flertando de longe com George.
    -Bom…eu tive aulas…- A garota Blackbell respondeu insegura. Demetrius notou tal reação de forma curiosa, mas a justificou ainda notando sua própria seriedade. Sentiu-se um pouco culpado por afligi-la daquele modo, mas manteve-se quieto por curiosidade de levar aquela conversa suspeita adiante.
    -Foi bom?- Demetrius perguntou jogando-se um pouco para trás na cadeira.
    -Não…na verdade não sei!- Becky quase respondeu pensando no dia todo que passara com George.
    -Foi entediante?-
    -Bom…é que eu não prestei muita atenção-
    -O que anseia seu coração?- Demetrius perguntou levantando o rosto da garota pelo queixo enquanto esticava seu braço sobre a mesa. Becky deu um breve suspiro olhando diretamente nos olhos do garoto.
    -Eu estou brincando de amar, Demetrius…o que eu poderia dizer a você?- Becky cedeu, por fim abaixando a cabeça forçando a mão do companheiro para baixo.
    -Brincando de amar?- ele levantou uma sobrancelha apoiando a cabeça sobre uma mão apoiada no braço da cadeira. - Me atualize sobre George, o que há entre vocês? É ele seu brinquedo?-
    -Ah…-
    -Convenhamos…eu sou mais bonito que ele!- sorriu dizendo de forma pensativa enquanto tentava tirar a tensão da cena.
    -Sim!- Becky sorriu aliviada pensando que Demetrius não ligava para aquilo.
    -Viu como é fácil!-Ele riu da reação da garota- Você é muito dramática, vamos concordar!-
    -O que…?-
    -Vamos andar um pouco por aí? Você parece não estar com fome- o novo senhor Desmond comentou.
    O casal de colegas saiu andando próximo um do outro sem qualquer contato, exceto pela hora em que Demetrius colocou a mão nas costas de Becky para ela passar pela porta do restaurante enquanto ele a segurava. Sua mão pareceu congelar pela ausência de qualquer sentimento quente aos seus olhos, ao tocar as costas quentes e delicadas da garota, o fazendo esticar os dedos para ver se ainda eram funcionais. Caminharam por alguns instantes em silêncio, andando a passos lentos e longos até que Demetrius veio quebrar a delicadeza sutil da confiança amorosa do silêncio. 
    -Você está com frio?-
    -Na verdade não…-
    -Eu também não…estou fervendo por dentro, na verdade!- ele sorriu tentando segurar tamanha alegria
    -O que você tem?-
    -Além de um carro, roupas caras, um capital inestimável e beleza?-
    -Bom…além disso…?-
    -Eu também tenho uma casa em Franz, uma vinícola na Italin e ainda ações na Bacio di Latte…- deu uma pausa- e também sou bem elegante…- sorriu parando em frente à garota
    -Algo que seu pai não lhe tenha dado…- disse fingindo estar entediada
    -Bom…eu tenho uma sorte enorme…embora ainda acho que possa ser resultado do meu trabalho duro em manter uma boa relação com você…e também por ser bonitão!-
    -O que?- disse sem entender. Os dois agora estavam parados um de frente para o outro, próximos ao monumento memorial da batalha de Tycho, onde haviam se encontrado na semana anterior.
    -Eu estou brincando!- riu- Mas falo sério quando digo que sou sortudo por estar neste momento com você aqui!-
    -Porque? Eu acabei de assumir que eu "brinco" com George e você simplesmente diz que é sortudo por tudo isso?-
    -Eu esqueci de dizer- ele suspirou brevemente colocando as mãos no bolso da calça enquanto levantava um pouco o pé- Todas essas coisas que eu tenho são fruto do trabalho do meu pai, nada disso eu conquistei, sem contar o velho mofado que eu tenho preso pela SSS. O primeiro fruto que eu consegui somente com meu esforço foi ter você ao meu lado, sem precisar que Damian, minha mãe ou alguma instituição fizesse isso por mim…-ele deu uma pausa segurando nos ombros de Becky. A garota estava quieta sem entender muito bem- Também a Bacio di Latte que comprei…por causa de você- sorriu
    -Você me tem então? É isso que pensa?-
    -Eu não posso comprar amor e amizade com o dinheiro da minha família, mas posso perguntar se você aceita um beijinho como pagamento?- ele sorriu aproximando-se mais da garota.
    -Esclareça tudo o que está passando na sua cabeça, não estou te entendendo, Demetrius!- ela disse segurando no peito de Demetrius como se o advertisse, embora com pouca força e não parecia relutar tanto.
    -Eu quero poder te amar!- disse por fim- Sozinho, sem compartilhá-la com mais ninguém. Não quero amá-la somente por amizade, quero poder assumir que você é a mulher da minha vida!- disse de forma feliz.- Olha só, ainda tenho a lembrança vaga de que nosso primeiro encontro foi aqui, bem em frente a esse monumento, não foi? Hoje é o sétimo dia desde que nos conhecemos adequadamente! E sabe o que tenho reparado?- ele segurou mais firme do antebraço da garota- É paranoia minha que você se sente em dúvida com George?-

(faixa 1- https://music.youtube.com/watch?v=SjLiiEC7ozg&list=OLAK5uy_moCWHxiDG_fQiQXfoak5FDFzFsigkeCbE)

    -O que você sabe sobre isso?- Becky estava apta a deixar que Demétrius a beijasse, mas também estava preparada para discutir com ele a qualquer instante.
    -Bom…sendo George seu amigo de tantos anos, você tendo ficado tão preocupada com ele durante aquele surto que vocês tiveram e outras coisas…com toda certeza eu poderia confirmar minha teoria de que você eventualmente se apaixonaria por ele. Principalmente depois daquela declaração fervorosa que vi anteontem…-
    -E se eu estiver apaixonada por ele? Você continua feliz?-
    -Posso provar a você mesma que não está!- disse se aproximando- Tudo que precisamos saber está no primeiro beijo!- Demetrius se inclinou para alcançar a boca da Blackbell, porém ela o parou com as mãos estendidas.
    -Não…- disse com a cabeça baixa- Se você puder provar algo para mim…vamos fazer diferente. Eu não quero que isso seja um simples teste igual foi com George…por favor, me entenda- Ela disse com a voz trêmula e com a cabeça abaixada. O jovem Desmond mais velho sentiu pingar em seu antebraço uma gota quente e pesada, cheia de sentimentos pesados e que, de forma alguma, ele pensaria que Becky sentia. Num impulso quente do momento ele a puxou delicadamente cercando quase todo seu corpo a apertando forte contra seu peito. A garota desabou a chorar mais do que ele era capaz de pensar. Depois de alguns segundos segurando ela quase sem ar, Demetrius a soltou abaixando-se.

(faixa 2- https://music.youtube.com/watch?v=NyuiYs6V0Fc&list=OLAK5uy_moCWHxiDG_fQiQXfoak5FDFzFsigkeCbE)

    -Uma palavra sua e eu me calo…para sempre!- Disse beijando sua mão enquanto enxugava suas lágrimas. Ela retribuiu num sorriso quente e com os olhos bem fechados, coisa que fez o jovem Desmond mais velho a puxar de novo para seus braços.

    De longe uma chama incandescente e curiosa, de cabelos longos e escuros, olhos puxados e um gato na mão observava toda a cena com profunda paixão.
    -Konda, você disse que o tinha visto por aqui, não foi?- Disse uma voz familiar vindo de trás do beco onde a dupla procurava o gato perdido do garoto Honda.
    -S…- Honda não terminou de falar. O rabo peludo do gato sujo batia em seu braço com certa ansiedade conforme o japonês passava a mão em sua cabeça entre as duas orelhas. Já era tarde, não tinha como trocar de lugar, ao menos soltar o gato mais uma vez para que George corresse atrás dele sem ver o que tanto afligiam os olhos de Honda. Seu olhar transformou-se de tédio a angústia em poucos segundos. A pele de seu rosto tomou um tom avermelhado na parte dos olhos que estavam mais molhados que de costume.
    -Se achou, vamos voltar!- George disse virando-se sem demonstrar qualquer fraqueza em sua voz. Honda o seguiu quieto também, um pouco para trás para não interromper seus pensamentos, embora o gato a todo instante protestava com miados ora baixos, ora altos.

Por caminhos diligentes: Um casal corajosoOnde histórias criam vida. Descubra agora