Capítulo Um

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Sempre achei interessante como uma vida podia mudar com um único acontecimento em um simples dia. Eu costumava observar os outros a minha volta, mudando, voltando atrás e seguindo em frente, mas nenhum exemplo era mais vívido para mim, do que a minha própria situação.

No passado, um momento de deslize, um beijo bobo em colega de escola, fez com que o meu mundo mudasse completamente. Meu pai nos viu e nossa relação nunca mais foi a mesma.

Tanto passei depois daquilo. Terminei o colégio, me formei em gastronomia e saí de casa depois de muita discussão e desprezo. Não me esqueci que meu pai e minha mãe nunca deixaram de me ajudar tanto nos estudos quanto me dando um teto para morar e impedindo que eu passasse fome, pois eu teria enfrentado as ruas e comido do lixo, se não fossem os dois. Mas os xingamentos do meu pai, o choro decepcionado da minha mãe por ter um filho condenado ao inferno, um filho gay, foram maiores do que os cuidados que recebi. Os deixei assim que pude. Tinha pouco dinheiro, mas fui acolhido por meu irmão mais velho por algum tempo. Logo ele casou e eu consegui abrir um pequeno restaurante em um bairro simples. Era um bom caminho, que segui com o apoio dele e da minha cunhada. Para eles, eu nunca deixei de expressar minha gratidão, assim como para os amigos que fiz ao longo do caminho.

Cresci aos poucos, e logo consegui mudar o meu restaurante para o centro, onde tive mais visibilidade e minha comida foi notada por nomes conhecidos na minha área. Eu estava crescendo cada vez mais, contudo, não deixava de cuidar dos que cuidaram de mim.

Gabriela era uma dessas pessoas. Minha amiga era uma das minhas clientes mais antigas, que nunca me deixou desistir do meu restaurante. Ela me apoiou em momentos que não contei nem mesmo para o meu irmão, que estava cuidando de seus filhos de uma forma que nosso pai jamais foi capaz em nossa juventude. Eu não queria continuar trazendo problemas para ele, apenas boas notícias, e Gabriela me entendia, pois passara pelo mesmo com sua família, que foi ainda mais cruel e a expulsou quando conheceram sua namorada. A gente se apoiava, e como um bom amigo, acabei aceitando avaliar a comida do buffet que ela tinha com sua esposa.

Eu já tinha experimentado os doces e salgados há algum tempo. Eram gostosos e foi o que chamou a atenção de seus clientes, que as indicaram para outros. O buffet cresceu rápido, e fiquei muito contente por elas. Mas Gabriela me contou que houveram algumas reclamações e que as pessoas que ficavam na cozinha haviam sido trocadas. A pequena explicação bastou para mim. O sabor era outro e não parecia com o descrito pelas avaliações na internet. Mas não deveria ser tão ruim, foi o que pensei quando aceitei o convite de uma das festas. Gabriela podia não ser uma cozinheira, mas ela conhecia uma boa comida.

Chegando no local, logo entendi que a coitada não tinha tempo sequer de sentir o cheiro dos temperos. Gabriela me cumprimentou rapidamente e depois disso, ficou andando para lá e para cá, se certificando de que tudo estava em ordem. A esposa de Gabriela estava em casa, pois havia sofrido um acidente e fraturou a perna. Ela estava sozinha.

Tive pena dela e pensei em ir ajudar na cozinha, mas Gabriela foi firme quando me fez o convite. "Apenas experimente e dê uma opinião sincera", foi o que ela disse, pois não queria se acostumar comigo na cozinha para depois não me ter por perto. Achei a lógica dela engraçada, mas tive que concordar, pois o meu restaurante no centro já me ocupava bastante, e um novo projeto, se desse certo, me deixaria ainda mais ocupado em breve.

Como ela pediu, passeei entre as mesas. Era uma festa ao ar livre, em um local bastante espaçoso, com gramado verde e algumas árvores, que estavam distantes. As mesas compridas tinham alguns funcionários do buffet, mas eles estavam ali apenas para auxiliar. Os convidados se serviam livremente, então eu não fiz cerimonias. Fui direto em uma empada de palmito, que costumavam ser as minhas favoritas do buffet da Gabriela, mas quando coloquei o salgado na boca, entendi completamente as novas avaliações. Estava tão salgado que não consegui sentir o gosto de nada. Me esforcei para não fazer uma careta, mas foi impossível não me preocupar quando experimentei o restante, que para equilibrar a salmoura no palmito, não tinha sabor algum. O frango não tinha cor e o presunto e queijo pareciam papel. O que diabos aconteceu naquela cozinha? Me perguntei enquanto me afastava da mesa de salgados e me dirigia para a de doces.

Uma Doce Atração (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora