Capítulo Único

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O ar cheirava a sangue e gasolina. Ou talvez fosse apenas o rosto de Nathaniel, uma bagunça sanguinolenta de ossos quebrados e cortes ardentes. Despertando de um sonho turbulento e sentindo ainda mais dor do que quando havia desmaiado, o jovem olhou ao seu redor, ou ao menos tentou. Uma de suas pálpebras estava tão inchada que havia se fechado completamente, como um túmulo inviolável. Tendo metade de sua visão comprometida, restou-lhe apenas tentar achar alguma saída no recinto tomado pela escuridão com o olho menos ferido.

Suas pupilas se contraíram no entanto quando um feixe de luz surgiu em seu campo de visão, retraindo-se na cadeira. Ele chiou quando o atrito das cordas em seu pulso ferido queimou, mordendo os lábios cortados. O som de passos que pareciam infinitos ecoou pelo ambiente para finalmente cessarem, o ruído silencioso de uma cadeira sendo arrastada fazendo o estômago de Nathaniel se revirar. Alguns segundos se passaram quando ouviu-se um estalo, e todas as luzes do galpão se acenderam, cegando o rapaz, que se contraiu como um cervo na frente dos faróis de um carro. As luzes, porém, não eram tão brilhantes como o sorriso predatório que avistou em sua frente, as sobrancelhas franzindo-se em desconfiança.

Um homem estava sentado em sua frente, a poucos metros de distância, ligeiramente enojado pelo aroma adocicado do sangue Nathaniel, mas não menos interessado na polpa ferida que agora era seu corpo.

- Parece que você irritou alguém, "Ilustrador do Mal". - ironizou.

Os cílios do jovem estremeceram, cerrando as mãos numa tentativa falha de se acalmar. Ele sabia que estava diante de um demônio impiedoso que poderia matá-lo de 47 maneiras diferentes, todas lentas e dolorosas, sem misericórdia ou piedade.

E tudo isso por uma mulher.

Seus olhos seguiram os dedos longos do homem retirarem do bolso de sua calça um maço de cigarros, levando um aos lábios calmamente, sem sequer desviar o olhar de Nathaniel. Ele parecia contemplar a imagem brutal, de pura violência a sua frente, as sobrancelhas loiras arqueadas em diversão.

- O que não entendo, no entanto, é como alguém seria tão estúpido a ponto de tentar invadir a zona de outra pessoa e achar que não seria descoberto. - o homem estalou a língua com desgosto. - E ainda mais estúpido é subestimar uma mulher como Ladybug. É até bonitinho todo este esforço. - seus lábios se comprimiram num sorriso desprezível, o cigarro pendendo em um dos cantos de sua boca. Ele, porém, ainda não o havia acendido.

Nathaniel contraiu-se em sua cadeira, os dedos tremendo nervosamente. Ele sabia que qualquer surra jamais se compararia às atrocidades que aquele homem era capaz de cometer. Os boatos sobre Chat Noir, um dos mais temidos mafiosos do país eram dignos de um filme de terror, escorrendo pelas bocas que os contavam em sussurros temeresos, descendo por suas espinhas com horror gélido. O homem cruzou as pernas e riu, como se soubesse exatamente o que Nathaniel estava pensando, os olhos verdes brilhando com júbilo.

- Ora, Nath, não tenha medo. Eu vim aqui para encerrar seu tormento, acabar com seu sofrimento. Tente ver o lado bom disso e considere como uma eutanásia: rápida e indolor. - sorriu, levantando-se de sua cadeira.

Os olhos de Nathaniel arregalaram-se em pavor, suor escorrendo por seu pescoço ferido, mais do que nunca tentando libertar-se de suas amarras. Em menos de um segundo, o homem diminuiu a distância entre eles, franzindo o cenho quando seus sapatos lustrosos tocaram o sangue do jovem, mas logo sua expressão anuviou-se, enfiando uma das mãos no bolso novamente. Nathaniel observou com horror uma mão tatuada com um gato negro, as presas longas e afiadas expostas em uma ameaça maligna, segurarem um isqueiro de prata. O cheiro enjoativo de gasolina repentinamente queimou em suas narinas, arquejando em terror.

O homem acendeu o isqueiro, observando a chama bruxulear com estranha atenção. De repente, parecia óbvio para Nathaniel o que ele faria. Seus raptores deveriam ter banhado-lhe em combustível enquanto desacordado, e agora seria queimado tal qual uma bruxa na fogueira. Que grande ironia.

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