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*Pov Úrsula Beauchamp*

* * *

A primeira vez que Josh me contou o que queria fazer, precisou repetir, pois eu tivecerteza de que não tinha entendido bem. Fiquei calma quando compreendi o que ele
estava me propondo, então falei que ele estava sendo ridículo e saí do quarto na mesmahora.

É uma vantagem desleal ser capaz de se afastar de um homem numa cadeira de
rodas. Há dois degraus entre o anexo e a casa principal e, sem a ajuda de Alex, Josh
não pode transpô-los. Fechei a porta do anexo e fiquei no hall de entrada, com as
palavras calmas de meu filho ainda tilintando nos meus ouvidos.

Acho que fiquei parada por uma meia hora.
Ele se recusou a desistir. Em se tratando de Josh, ele sempre precisava ter a última
palavra. Repetiu o pedido todas as vezes em que fui vê-lo, até que a cada dia se tornavaquase insuportável para mim ir até lá.

Não quero viver assim, mãe. Não é a vida que euquis. Não há perspectiva de recuperação, então, é bastante razoável pedir para acabar com isso da maneira como eu ache adequada.

Ouvi-o e pude imaginar muito bem como eledeveria ter sido nas reuniões de negócios, na profissão que o tornou rico e arrogante. Nofim das contas, ele era um homem que costumava ser obedecido.

Não podia suportar o
fato de que, de certa maneira, eu tivesse o poder de ditar seu futuro, que tivesse, dealgum modo, me transformando de novo na mamãe.

Ele dedicou toda a sua energia em me convencer. Não é porque minha religião
proíba, embora fosse terrível a perspectiva de que Josh acabasse enviado para o Infernodevido a seu próprio desespero. (Prefiro acreditar que Deus, um Deus benevolente,pudesse compreender nossos sofrimentos e perdoar nossos pecados.)

É só que o que não se pode compreender a respeito da maternidade, até que se
tenha um filho , é que não é um adulto — o deselegante, barbado, fedorento, filho
teimoso — que a mãe vê diante de si, com seus recibos de estacionamento, seus sapatos
não engraxados e sua complicada vida sentimental.

A mãe enxerga todas as pessoas queo filho já foi ao longo da vida reunidas em uma só.

Olhei para Josh e enxerguei o bebê que segurei no colo, chorosamente encantada,
incapaz de acreditar que eu havia gerado um outro ser humano. Vi a criança pequena,
esticando a mão para mim, o menino em idade escolar chorando de raiva porque outracriança zombou dele.

Enxerguei as vulnerabilidades, o amor, a história. Era isso que ele
estava me pedindo para extinguir — a criança e, ao mesmo tempo, o homem — todo
aquele amor, toda aquela história.

E então, num dia vinte e dois de janeiro, um dia em que eu estava presa no tribunal
por causa de uma quantidade enorme de pequenos ladrões e motoristas sem seguro
contra acidentes; de chorosos e irritados ex-casais, Ron entrou no anexo e encontrou
nosso filho quase inconsciente, a cabeça caída no braço da cadeira, um mar de sangueescuro e pegajoso ao redor de sua cadeira de rodas.

Ele tinha encontrado um prego
enferrujado de menos de dois centímetros, que emergia de alguma parte mal-acabada
do armário e, pressionando o pulso contra aquele prego, movimentou sua cadeira para
cima e para baixo até a pele ser cortada em tiras.

Até hoje não consigo imaginar adeterminação que o fez continuar, mesmo que ele tenha ficado meio delirante por causada dor. Os médicos disseram que, se demorássemos mais vinte minutos, ele teria
morrido.

COMO EU ERA ANTES DE VC _BEAUSN_Onde histórias criam vida. Descubra agora