A última coisa da qual me lembrava era de uma luz amarela ofuscante e logo em seguida um impacto violento e então tudo ficou preto. Minha cabeça latejava de dor e a sensação que eu tinha era que meu corpo estava três vezes mais pesado do que deveria. Abri os olhos e só então me dei conta de que estava deitado. Apesar da escuridão, a primeira coisa que percebi foi o forro de gesso imundo e envelhecido, as paredes eram de cerâmica branca e o que me sustentava era um leito de hospital que rangia ao menor movimento que eu fazia.
O cheiro que dominava o ambiente, era o de carne estragada, o que me deu ânsia de vômito. Me levantei com dificuldade e fui em direção ao interruptor ao lado da porta e ao pressioná-lo nenhuma luz acendeu.
"Mas que diabo de hospital é esse?"
Sussurrei enquanto forçava as vistas para perceber o lugar com mais detalhes. Não havia nada além do leito em que eu estava deitado e um armário de duas portas encostado em uma das paredes.
Me aproximei do mesmo e ao abrir as portas gritei com os olhos arregalados ao me deparar com o corpo de um homem caindo sobre mim. No reflexo, me afastei empurrando o corpo para o lado. O cheiro não era de carne estragada, o cheiro era de cadáver. O corpo havia se espatifado no chão e com a queda, a carteira do sujeito escapara de algum bolso. Ao abaixar para pegar o objeto, não resisti à tentativa irracional e involuntária de olhar para o rosto do homem que encontrava-se colado lateralmente ao chão. O que vi me deixou petrificado de medo e agonia. Haviam dois buracos no lugar dos olhos, sangue seco escorria pelo rosto. O que mais me assustava, era como aquele homem parecia encarar-me, os dois furos pareciam a entrada de duas cavernas escuras, meu estômago revirava só de imaginar a crueldade do que quer que tenha feito isso com este sujeito.
Eu não podia mais perder tempo, precisava entender aonde eu estava, o que estava acontecendo. Me levantei, girei a maçaneta da porta e quando estava prestes a abri-la ouvi um som estrondoso vindo do outro lado da mesma, acompanhado de um impacto tão forte que todo o lugar pareceu tremer. O som e o impacto continuaram a se repetir ritmadamente como passos. O suor escorria pelo meu rosto, meus batimentos aceleraram, minha respiração ficou ofegante e minha mão não parava de tremer na maçaneta.
"Isso não pode ser real, não tem como ser...É apenas o efeito de algum remédio que me deram, eu vou abrir essa porta e vou embora desse lugar".
Afirmei em voz alta para mim mesmo enquanto mantinha os olhos fechados, e assim fiz. A porta dava em um corredor escuro e no final deste havia uma escada. Fui rapidamente sem olhar para trás e desci a escada o mais rápido que pude. Ao chegar no piso inferior me deparei com várias fileiras de cadeiras, uma ao lado da outra e no lado oposto, um balcão com telefones e cadeiras de escritório atrás. Atrás das fileiras havia uma porta dupla entreaberta, fui em direção a mesma sem perder tempo e ao cruzá-la, encontrei o meu velho Wolkswagen Satana 2000 em uma das diversas vagas de um estacionamento, iluminado apenas por um poste em péssimo estado. Somente quando cheguei no carro que percebi que a chave não estava comigo e eis que a dúvida surgiu: Vale a pena voltar lá para buscar a chave? O simples ato de cogitar tal atitude me fazia suar frio. Me apoiei no carro com as costas, ficando de frente para o edifício do qual acabara de sair e na fachada do mesmo estava escrito: Hospital Municipal de Santa Helena.
Santa Helena ficava a inexplicáveis 834 quilômetros da minha casa, não conseguia entender o que diabos eu estava fazendo aqui, se me lembro bem o acidente ocorreu enquanto eu dirigia para casa do meu pai. Eu não tinha escolha, não posso sair daqui sem o meu carro. Decidi não pensar muito, pois se o fizesse, era capaz de nunca conseguir voltar lá. Corri desesperadamente para dentro do hospital, evitando ao máximo olhar ao redor. A distância parecia ter dobrado de tamanho e a cada passo apressado mais aflito eu ficava. Levei muito mais tempo do que deveria até que chegasse no quarto e avistasse minha chave em uma das prateleiras do armário. Apanhei a chave, mas tinha algo estranho, estava faltando alguma coisa nesse quarto. Quando finalmente descobri o que era, meu peito congelou e comecei a respirar pesadamente enquanto o desespero tomava conta do meu ser. O corpo daquele homem não estava mais lá.
Não tive tempo de pensar em nada mais, corri desesperadamente para fora do quarto e antes de alcançar a escada, aquele som estrondoso de passos ecoou por todo o corredor atrás de mim. Fui tomado por uma falta de ar e a vontade de chorar foi incontrolável. O sentimento de impotência me sufocava e meus músculos pareciam querer falhar, mas não parei de correr, cada passo vindo de trás me aproximava mais da morte. Desci as escadas descontroladamente, me joguei de ombros contra a porta da frente do hospital e tremendo abri a porta do carro, liguei-o e arranquei cantando pneus para bem longe daquele lugar.
Alguns minutos se passaram e já me encontrava na rodovia quando olhei no retrovisor e gritei ao ver o cadáver sem olhos do hospital sentado no banco de trás do carro, ele esbanjava um sorriso sem dentes e fazia um sinal de tchau para mim. Eu gritei tão alto que minha voz falhou, meu coração batia tão forte que parecia quase sair do peito, quando olhei para frente novamente, uma luz amarela ofuscante me cegou e um impacto violento fez o mundo girar ao meu redor e tudo ficar preto.
Abri os olhos, minha cabeça latejava de dor e mais uma vez lá estava eu deitado sob um leito de hospital. O forro de gesso sujo e envelhecido, paredes de cerâmica branca e o armário. Eu estava exatamente no mesmo lugar. A angustia me preenchia enquanto eu me questionava se tudo tinha apenas sido um sonho. "É, foi apenas um sonho, o mais estranho e perturbador que já tive, mas ainda assim, um sonho", porém foi quando olhei para o armário que percebi que só havia um jeito de saber se eu estava certo ou não. Fui em direção ao mesmo com o coração palpitando e começando a suar como um porco. Não quis pensar muito, isso só me atrapalharia, então abri a porta e logo em seguida dei um salto para trás. Porém nada havia no armário a não ser o par de chaves do meu carro. Confesso que não sabia se isso era motivo para comemorar ou me desesperar, mas preferi ficar com a primeira opção. Fui em direção a porta e dessa vez menos receoso abri-a, passei pelo corredor, sem som de passos dessa vez, e comecei a descer a escada. Cheguei na recepção, cruzei a porta da frente do hospital e fui em direção ao carro. Dei partida no motor e sai calmamente rumo à rodovia.
Em meio à escuridão da estrada, só para garantir chequei o banco traseiro pelo retrovisor e não havia nada lá, "acho que as coisas voltaram ao normal finalmente", pensei. Quando olhei para frente novamente, avistei um carro vindo na direção contrária, mas dessa vez no seu lado correto da rodovia. Esperei o carro se aproximar e quando estávamos a 10m um do outro o que vi fez cada músculo do meu corpo travar, senti que cada gota do meu sangue carregava consigo o pavor e a frustração desesperada. O homem sem olhos dirigia o outro veículo e com um sorriso sem dentes acenou para mim. Ele girou o volante jogando o carro contra o meu, a luz amarela me cegou...um impacto violento...tudo ficou preto.
Foi durante os últimos 5 minutos de sanidade que Albert Ritter teve em sua vida que esse relato foi compartilhado. Albert Ritter, encontra-se agora no Hospital Psiquiátrico de Santa Helena, e aqui esteve pelos últimos 25 anos. Após inúmeras tentativas dos médicos de tirá-lo do delírio permanente, 5 minutos de sanidade foi tudo que conseguiram.
Pela pequena janela quadrada de vidro na parte superior da porta de madeira, é possível vê-lo. Ele usa um macacão branco com a inscrição "Paciente 834" em seu peito e encara a parede de cerâmica branca, enquanto saliva escorre pelo canto da boca. Albert reviveu diariamente a sua morte pelos últimos 25 anos e continuará revivendo até que finalmente morra de verdade. Nenhum médico jamais conseguiu explicar o porque disso ter acontecido com ele, mas uma coisa é certa: Torça para jamais encontrar um homem sem olhos vagando por aí.
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Um novo começo
Historia CortaE se você acordasse e a única coisa da qual se lembrasse fosse um impacto violento que fez tudo escurecer? Até ai tudo bem, mas tem um problema... Você não tem ideia de onde está, e o que mais assusta são as condições precárias do local, cuja caract...