Sexo, Ringue e Paixão em Tóquio

<36>

Gabrielle com sua vaidade e arrogância exacerbada, jamais imaginou que seria tão difícil domar seu animal de poder. Paciente como sempre, mas sem deixar de ser debochado e azedo ao mesmo tempo, Juka a orienta no início. Para manifestar cem por cento da energia da criatura, eles treinam durante a projeção astral. Com o auxílio de seu porco, Juka a ensina a invocar e em seguida evocar seu dragão para que ele se materialize e só assim tentar domá-lo. Parece fácil, mas se conectar com sua força animal irracional é bastante complexo, ainda mais para ela que é impulsiva e espera por resultados imediatos.

Seus corpos estão inertes, em posição de meditação, com os olhos fechados, em um lugar arborizado e ventilado da propriedade, e suas almas, desprendidas, galgam livremente pela dimensão invisível para alguns humanos.

Juka está montado em cima de seu porco selvagem extremamente ágil e perceptivo, correndo por uma mata de cores, aromas e sensações ainda mais fulgurantes. Ele observa Gabrielle fazendo a maior força para apalpar a energia de seu dragão e começa a rir com escárnio. A brasileira abre o olho esquerdo e o fita, colérica.

- Qual o problema? Assim eu não consigo me concentrar!

- Se continuar desse jeito, a única coisa que você vai conseguir é explodir! Você parece estar encalhada e fazendo força pra cagar!

- Imbecil!

- Você tem que entender que não será na base da força que você chegará até o seu dragão. Lembre-se que ele é uma parte de você mesma, e se você não é capaz de domar a si mesma, nada mais será possível. Pense em tudo o que aprendemos até agora. Acha mesmo que a fúria irá te levar pra algum lugar? Você precisa de doçura, já basta de espinhos. Tem alguma coisa te bloqueando... É visível.

- Eu prefiro tentar fazer isso sozinha. Você está me distraindo!

- Ok! Me chame se precisar! Mas acho que já te passei todas as informações necessárias. Agora é com você.

O porco de Juka emite um som alto e rouco, seus corpos etéreos se dissolvem, se misturam, e ambos se tornam apenas um. Juka sai andando e não demora a se desfazer como fumaça sendo varrida pra longe, retornando para seu corpo de carne.

Gabrielle expira forte. Está ciente de que seu mentor tem toda a razão, então ela procura se entregar novamente, direcionando sua atenção para seu cerne, como se estivesse encarando um ponto definido. Ela mergulha em um oceano de memórias, pensamentos, lembranças, emoções e sentimentos e quanto mais fundo navega, mais confusa fica. Como se estivesse pescando estrelas, ela seleciona um por um daqueles clarões densos e os examina. Quando ela consegue alcançar a primeira fase de sua existência na terra, sua infância, as sequências vão surgindo e ela tenta adivinhar o que está lhe travando como se ela e o seu dragão não fizessem mais parte um do outro. Ela revive o momento em que encontrou sua mãe morta depois de uma overdose e os traços de seu rosto se modificam de desordem para uma dor intensa. A sensação de impotência ganha a forma de insegurança, como se ela fosse a responsável pela mãe ter morrido daquele jeito, como se ela pudesse ter feito algo para ajudá-la, salvá-la da dependência. Posteriormente, sua avó a reprimindo, aparece em uma dessas bolhas de ar luminosas e ela se fecha dentro de uma concha de medo e baixo autoestima. Com a essência já quase totalmente apagada, a falta de expressão gera uma atitude autodestrutiva. Ela sente que precisa sair desse ciclo de culpa, insegurança, dor, medo e agressividade para seguir em frente, mas não sabe como, até que uma intuição emerge, ela tem que se perdoar e perdoar os outros, pois assim como ela, sua mãe e sua avó, só poderiam dar aquilo que tinham, e que todos estão em um processo de aprendizagem e só conseguirá romper esse labirinto, quando ela aceitar isto. Com a cabeça presa nesses balões, ela começa a perder o ar, morrendo lentamente sufocada. O instinto de sobrevivência faz com que ela reaja e imediatamente o seu animal de poder entra em ação. Ele eclode estourando o que a mantém encarcerada e ela finalmente consegue nadar até a superfície.

Enquanto busca por ar, seu dragão desponta ao seu lado criando um redemoinho que tenta engoli-la outra vez, mas ela consegue ser rápida o suficiente para agarrá-lo pela cauda e subir em seu dorso, montando-o. A fera se debate, recusando-se a carregar sua portadora, mas Gabrielle segura em seus chifres e ele sai voando furiosamente, se esforçando pra jogá-la para fora de si. Eles percorrem milhares de quilômetros nessa batalha e Gabrielle é lançada inúmeras vezes. Assim que se recupera da queda, ela se apruma e insiste em montá-lo.

Ela deve ter ficado uns dois dias meditando e só despertou quando sua irritação falou mais alto e seu corpo precisava repousar, visto que não havia fadiga, fome ou frio na outra dimensão, mas isso não foi motivo para desistência, logo depois ela retornava. Entretanto, mesmo que o dragão estivesse se exteriorizando, ela ainda não tinha conseguido montá-lo. Dessa vez, ele a levou para o interior de uma caverna, com o intuito de encurralá-la.

A fera atinge o objetivo de derrubar Gabrielle. A jovem é lançada a metros de distância, perde o controle de si mesma e desgoverna até atingir algumas rochas, batendo com a parte do seu perispírito onde se concentra o crânio naquela dimensão. Ela perde metade da sua força vital e fica desorientada.

De forma súbita, ela é direcionada para mais uma visão. Sente-se mais leve quando consegue abrir os olhos de sua alma atordoada e se deparar com uma criatura aparentemente feminina de acordo com sua percepção. O ser tem uma cabeça maior que o restante de seu corpo e anéis coloridos giram velozmente em volta dela, com traços que a remetem a sua mãe, Maitê, mas muito diferente da mulher destruída pelo vício, pelo contrário, tem uma aparência radiante.

- Minha adorada filha... - exclama com doçura na voz.

- Mãe, é você?

- Somos todas mães, filhas, irmãs, tias, avós... Somos família, somos umas nas outras e outras nas umas, somos muitas e apenas uma.

- Eu, eu, não consigo entender... - Gabrielle gagueja impactada com a aparição.

- Você caminha pela terra, mas pertence a saturno, mesmo desprendida, você gira conosco dando vida e equilíbrio ao planeta. Você queria conhecer outros mundos, outras criaturas, alçou voo e aterrisou na terra há milhares de anos. Você é mais forte do que acredita, te sustenta independente, mas coexiste como peça de uma engrenagem que dá suporte a um eixo. Você é uma deidade experimentando a encarnação humana e não uma humana aprendendo a ser uma deidade. Mas sem a experiência humana, você jamais teria aprendido a humildade, a dor, a alegria, a paixão e o amor. Essa foi a sua evolução. Você precisou de coragem pra se desconectar e precisará agora para se conectar novamente. Aceite quem você é e se liberte - a criatura anda até a garota e segura dos dois lados de seu rosto, ela tenta se esquivar, temerosa, a outra é poderosa demais e não pode e nem quer escapar da verdade, uma preensão em suas têmporas a faz berrar de dor, seus olhos se estatelam fixando algo acima e ondas circulares emanam de sua testa criando vários anéis que circundam sua cabeça. Gabrielle enxerga tudo, desde sua eclosão como uma das divindades que gerenciam saturno, ao momento de sua renúncia para viver uma experiência humana e todas as vidas que teve até chegar ali e num estalo ela recupera toda sua potência.

Ela dirige um sorriso de reconhecimento pro ser, sussurrando um "irmã" e ele implode, deixando-a com o poder de escolha sobre seu destino. Um rugido chama a atenção dela, é seu dragão sobrevoando-a imponentemente. Ela espera até que ele se aproxime o máximo de si, e dá um salto, montando-o com maestria. Sentindo a energia calma de sua portadora, dessa vez ele a aceita e Gabrielle não precisa de muito esforço para se manter em cima dele. Eles saem da escuridão da caverna e rumam em direção da cintilação do sol que desponta das montanhas com a certeza de que a união foi finalmente selada.