Francisco

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Já era a terceira vez que Heloísa ia no banheiro naquela madrugada. O incômodo começou assim que se deitaram, mas como estava muito cansada conseguiu dormir as primeiras horas tranquilamente. Agora que o sono estava leve, mal pregava o olho e já sentia sua bexiga apertar.
Olhou Leônidas tranquilo quando voltou para a cama. Ele ficava tão lindo dormindo todo descoberto. Soltou um suspiro desanimado. Fazia semanas que não conseguiam ter relação. Às vezes ela sentia vontade, mas ele ficava todo contido com medo de não fazer bem para ela e para o bebê e até mesmo acelerar o nascimento. Era o que ele dizia, mas na verdade ela estava se sentindo imensa e achava que não despertava desejos em seu marido. Se deitou de costas para ele e levou a mão à barriga quando o bebê se mexeu.
- Minha rosa, está tudo bem? – Leônidas perguntou sonolento.
- Está sim. – Mentiu ela sentindo uma leve dor na barriga. – Volte a dormir, meu amor.
Leônidas levou a mão até seu ombro e massageou de leve. Ela fechou os olhos e tentou pegar no sono, mas passou o restante da madrugada inquieta.
Quando Leônidas se levantou para se arrumar para o trabalho ela parecia um zumbi e uma ou outra fisgada em sua barriga era sentida eventualmente.
- Heloísa, você está bem? – O rapaz se sentou ao lado dela na cama segurando suas mãos. – Percebi que se levantou a madrugada inteira e quando se deitava estava inquieta.
- Está tudo bem. – Sorriu fraco. – Apenas não encontro uma posição confortável.
- Já deve estar próximo do bebê nascer. Pelas minhas contas...
- Estou bem. Não se preocupe. – O interrompeu.
- Fique na cama e descanse um pouco mais. Vou pedir a Manuela para trazer seu café da manhã, assim você não precisa descer. Se precisar de algo peça para me chamar.
Leônidas se levantou, deu um beijo suave nos lábios dela e outro em sua barriga. – Não dê trabalho para sua mãe. – Sussurrou para o bebê. – Com uma última olhada para Heloísa deixou o quarto.
Ele estava preocupado com Heloísa. Há dias ela não dormia bem e ele não sabia o que fazer. Tentava massagear as costas e os pés dela antes de dormir para que ela relaxasse um pouco, mas percebia que as noites eram longas para ela. O bebê se mexia muito e todas as posições que ela tentava para dormir a incomodavam.
- Bom dia, Violeta. – Encontrou-se com a cunhada quando terminava de tomar café.
- Bom dia. Como está Heloísa?
- Nada bem. Está muito cansada. Não dormiu quase nada. – Disse descrente. – Sinto que o bebê deve chegar logo.
- Esses finais de gravidez são muito cansativos mesmo. Eu me lembro bem. – Violeta falou nostálgica.
- Eu não queria ir trabalhar, mas ela disse para eu não me preocupar. – Leônidas levou as mãos aos cabelos com um gesto de preocupação.
- Não se preocupe. Não irei para a tecelagem hoje e vou ficar de olho nela. Pode ficar tranquilo.
- Eu agradeço muito, de verdade. Me chame se precisar. – Agradeceu. – Vou pedir a Manuela para levar o café no quarto pra ela.

- Bom dia, minha irmã. – Violeta entrou no quarto de Heloísa com a bandeja em mãos. – Trouxe seu café da manhã.
- Bom dia, Violeta. – Heloísa tentou se sentar na cama e fez uma careta.
- Como está se sentindo? Leônidas estava muito preocupado.
- Eu estou me sentindo bastante desconfortável, mas não queria fazê-lo ficar aqui comigo por causa disso. – A verdade é que as dores que sentia ficaram ainda mais intensas depois que ele saiu. – Eu disse a ele que não se preocupasse.
- Ele é seu marido, Heloísa. É natural que se preocupe.
Heloísa tentou comer sob os olhares atentos de Violeta a cada careta que ela fazia. Comeu muito pouco, apenas uma pequena fatia de pão e meio copo de suco.
- Precisa se alimentar melhor, Heloísa. – Violeta disse assim que ela dispensou a bandeja.
- Estou sem fome. Vou tentar voltar a dormir.
- Está bem. Estarei lá embaixo. Mais tarde venho ver como está.
Assim que Violeta deixou o quarto Heloísa foi ao banheiro mais uma vez. – Ah meu Deus! Será que está na hora? – Ela olhou para um fio um pouco mais escuro no vaso sanitário.
Voltou para o quarto e se sentou na cama inquieta. Olhou para as malas sobre uma cadeira em um canto. Fazia dias que havia arrumado as coisas dela e do bebê para o momento tão esperado. Ela queria ter o bebê em casa com a ajuda de uma parteira, mas doutor Ambrósio aconselhou a fazer o parto em um hospital. Ela não tivera maiores intercorrências durante a gestação, mas aos quarenta e dois anos corria o risco de haver um aumento em sua pressão arterial e em casa não teriam recursos para reverter a situação. Apesar de seus protestos, Leônidas apoiou o médico.
Já era quase hora do almoço e Heloísa começou a sentir medo. Levou as mãos à barriga na tentativa de proteger seu bebê. – Não quero que você nasça, meu amor. – Achava que se o filho permanecesse em seu ventre poderia protegê-lo. Sentiu as lágrimas molharem seu rosto. Junto com a contração veio um gemido um pouco mais alto.
- Heloísa, o que houve? – Violeta estava passando pelo corredor quando a ouviu gemer. – Por que está chorando, minha irmã? – Pssou a mão no rosto da irmã tentando entender o que estava acontecendo.
- Eu... eu estou com dores, Violeta. – Disse em agonia.
- Quando começaram? Por que não me chamou? – Perguntou aflita.
- Eu não quero ir para o hospital, eu... – Suplicou.
- Não é tão simples assim, minha irmã. Você sabe das recomendações do médico. – Violeta ponderou. – Manuela, vá chamar o Leônidas! – Violeta foi até a porta e gritou para a empregada.
- Eu estou com medo. – O rosto dela era de uma agonia intensa.
- Não precisa ter medo. – A mais velha segurou a mão dela e a confortou.
- E se o tirarem de mim, Violeta? – As lágrimas desciam livremente sobre o rosto de Heloísa.
- Deixa de bobagem, Heloísa. Isso não vai acontecer.
Dentre todos os temores de Heloísa, um deles era que algo pudesse acontecer e seu bebê fosse levado para longe dela. Depois de anos procurando sua filha, isso era o que mais a abalava. O trauma e a agonia em que vivera por vinte e quatro anos não lhe saía da mente nesses últimos dias.
- O que aconteceu? Manuela me chamou. – Leônidas entrou no quarto correndo e com a respiração entrecortada.
- Está na hora, Leônidas. – Violeta falou.
- Minha rosa, temos que ir para o hospital. – Leônidas foi até ela e segurou suas mãos.
- Eu não quero, Leônidas. Quero ter o bebê em casa. – Heloísa pediu suplicante.
- Meu amor, o médico recomendou...
- Eu sei, mas eu tenho medo... – Heloisa curvou um pouco para frente com a chegada de mais uma contração.
- Violeta, me ajude a levar as coisas para o carro. – Leônidas pediu à cunhada que estava imóvel ao lado da cama.
O caminho até o hospital foi feito em tempo recorde. Violeta dirigia e Leônidas estava no banco de trás com Heloísa que tinha as dores cada vez mais fortes e menos espaçadas.
Ao chegarem foram encaminhados para a sala de parto onde doutor Ambrósio os esperava. Leônidas fez questão de ficar ao lado da esposa enquanto Violeta esperava do lado de fora.
A agonia de Heloísa era tamanha, mas para tranquilizá-la a pressão não se alterava e a dilatação estava aumentando. Tudo corria bem para a chegada da nova vida.
A bolsa rompeu e ela achou que não aguentaria de tanta dor. Leônidas permaneceu ao lado da cabeceira segurando a mão da esposa e sussurrando palavras de conforto. A dor era tanta que Heloísa começou a delirar.
- Leônidas, você me promete... – Pediu ao marido em um pequeno intervalo entre as dores.
- Prometo o que você quiser, minha rosa. – Ele disse levando a mão ao rosto da esposa e fazendo um carinho para tranquilizá-la.
- Não deixe que o levem... – Foi interrompida por um dor muito forte que a fez soltar um grito.
As instruções do médico e da equipe foram que ela fizesse força nesse momento, pois o bebê estava chegando.
Leônidas era um misto de preocupação com o pedido de Heloísa com as instruções do médico.
O bebê nasceu para a alegria de todos. – É um menino! – Doutor Ambrósio falou levantando o garoto na frente dos pais.
- É um menino, minha rosa... – Leônidas olhou para a esposa que parecia que iria desfalecer a qualquer momento. – O choro do bebê se fez ouvir em todo o ambiente.
- Não deixe que papai o leve... – Heloísa segurou com força a camisa do marido o fazendo encará-la preocupado com seu pedido.
A mais nova das irmãs Camargo teve um vislumbre de seu filho sendo levantado pelo médico e em seguida viu tudo escurecer.

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Quando voltou a si, Heloísa estava no quarto do hospital rodeada por Olívia, Isadora, Violeta e Manuela.
- Cadê ele? – Se sentou em um impulso. – Cadê meu filho?
- Calma, Heloísa, você acabou de ter um bebê. – Violeta falou. – Se senta devagar.
- Cadê meu filho, Violeta? – As lágrimas de Heloísa estavam prestes a cair mais uma vez. – Cadê Leônidas?
- Estamos aqui, minha rosa! – Leônidas adentrou o quarto com o bebê no colo e Heloísa desabou em lágrimas.
Leônidas levou o filho até a esposa o colocando em seus braços. Num gesto de proteção passou o braço em suas costas. – Ele está aqui e está muito bem.
- Meu menino... – Murmurou tocando o rostinho do bebê que dormia em seu colo.
- Você desmaiou após o parto e nos deixou preocupados. – Leônidas tocou no rosto dela e a olhou com doçura. – Mas doutor Ambrósio disse que estava tudo bem e que provavelmente foi pelas fortes emoções e pelo cansaço que você perdeu os sentidos.
Assim que viu que estava tudo bem, Violeta saiu do quarto com as duas garotas e Manuela em seu encalço deixando os papais sozinhos.
- Eu tive tanto medo de tirarem ele de mim Leônidas. – Heloísa passava a mão suavemente pelos cabelos do filho que se remexia em seu colo.
- Ninguém vai tirá-lo de você. – A tranquilizou. – Não se preocupe. Vocês dois tem a mim, e também uma família enorme para te apoiar dessa vez, minha rosa. Nada de ruim vai acontecer.
- Francisco... – Ela sussurrou recebendo um beijo terno do marido no topo de sua cabeça.

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⏰ Última atualização: Jul 08, 2022 ⏰

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