Parte Um
GEORGE
Encaro a folha de papel rabiscada com o que acredito ser meu vigésimo desenho de He-Man e suspiro me dando por satisfeito. Bom, deveria estar bom, se desenho a mesma coisa tantas vezes.
Desvio meu olhar para o relógio empoeirado acima da lousa na parede da sala, constatando que ainda faltavam boas duas horas para eu poder sair daqui, o que é uma droga, mas não é como se minha casa fosse um lugar mais divertido que a escola, de qualquer maneira. Porém aqui, o tempo parecia passar mil vezes mais devagar. Uma hora na minha casa lendo meus livros preferidos ou dormindo? Eu não vejo passar. Uma hora na escola? Bom, eu lembro de ter olhado para o relógio e jurei ser 09:07am, e então, um tempo depois, olhei e era 09:06am.
Conformado, começo a folhear meu caderno velho em busca de alguma página ainda limpa o suficiente para eu começar um novo desenho, e quando eu finalmente encontro um verso limpo, começo a desenhar Percy. Bem que eu queria ter o poder de transformar o chato do professor em pó agora, assim como o personagem do livro.
Eu não costumava gostar da escola, e se existisse outro motivo para eu frequentá-la, além da ordem da última assistente social que passou pela minha casa por causa de denúncias dos vizinhos sobre o estilo de vida da minha família, seria Allie, a única pessoa não fictícia que me divertia e distraía das coisas que eu não gostava em minha vida, que não eram poucas, sendo bem simplista.
Minha família é uma bagunça. Meu pai é um alcoólatra desempregado que vive tentando burlar alguma lei de benefícios para conseguir algum dinheiro para suas bebidas, minha mãe também desempregada e passa o dia em seu roupão velho lendo alguma revista roubada no quarteirão enquanto fuma seu cigarro, e minha irmã mais velha é a única da casa que trabalha, e se não fosse por ela eu já estaria morto de fome ou, na melhor das hipóteses, adotado por uma outra família, como o serviço social já havia tentado duas vezes. Parece que sou muito velho para ser adotado agora. De qualquer forma, é Franciny que me alimenta, me veste e luta para que eu consiga estar nessa escola, porque segundo ela, se não usássemos nosso cérebro, acabaríamos como nossos pais. Aprecio seu esforço para me prover o melhor, mas as vezes acho que ela está perdendo tempo comigo. Eu não sirvo para cálculos e coisas assim. Odeio decepcioná-la, mas é a verdade.
Olho para onde Allie está, e como se tivesse algum sexto sentido, ela vira para trás e sorri docemente quando nossos olhares se cruzam, antes de voltar a encarar a lousa e me deixar apenas com a vista de seus cabelos negros, porque ao contrário de mim ela gostava — e muito — da escola. Allie parecia desgostar de poucas coisas, mas apesar de ela gastar horas com livros de fantasia e séries, ela ama estudar também. Ela parece perfeita e todos os professores a adoram.
Claro, isso porque ela é infinitamente mais inteligente do que eu.
Volto minha atenção para Percy, me perdendo em pensamentos estranhos sobre Allie.
Nos conhecemos ano passado, quando tivemos que fazer uma atividade de álgebra juntos. Por motivos bem diferentes, Allie e eu não temos muitos amigos na escola, e a até então única amiga de Allie havia faltado esse dia. Olho para Madison, que hoje está presente, sentada ao lado de Allie na mesa feita para duplas enquanto fazia tranças em seu próprio cabelo. Nós não nos falamos muito e ela não parece querer mudar isso, mas sou grato que ela tenha pego catapora e faltado durante aquelas semanas que Allie e eu nos aproximamos, no entanto. Desde aqueles quinze dias que nos sentamos lado a lado e Allie viu meu desenho da personagem Luna Lovegood, compartilhamos nossa adoração pela saga e por outros livros que gostávamos. Allie era mais uma pessoa de séries de TV, mas ainda sim havia lido mais livros do que eu e até me apresentou alguns, emprestando ela mesma para eu poder ler, porque ela é assim, sempre legal e gentil com todo mundo.
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Mais uma Vez
RomanceAllie e George se conhecem quando ambos ainda estão na transição de crianças para adolescentes, e a amizade vira o porto seguro do garoto que descreve Allie como "a única pessoa não fictícia" que o divertia e distraía das coisas que não gostava em s...