Para quem eu devo dar bom dia?

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vão ter coisas que não vão ter o mínimo de sentido, mas é proposital. tudo que possam achar estranho ou desconexo é proposital e vai ter a explicação no final. no mais, espero que gostem dessa doideira de 11k aqui! (tô com uma baita dor nas costas e foi de longe, minha obra mais trabalhosa)

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QUANDO MEUS DEDOS ALCANÇAM o despertador redondo, pequeno e roxo ao meu lado, a primeira coisa que penso é que estou enojada de ver a mesma cena. Me sinto presa em um daqueles filmes, talvez "A morte te dá parabéns" e outros semelhantes, porque a minha vida não passa de uma repetição constante a cada dia.

Eu sei, eu não deveria estar reclamando, minha condição financeira é absurdamente boa, eu tenho um emprego, meus pais são donos da Cafeteria Renaitre e fizeram com que eu raramente adoecesse, comesse os pratos mais requintados de um restaurante e estudasse nas melhores academias de Seul. É, parece um daqueles papos de mimadinhas de filmes adolescentes estadunidenses.

Mas eu sinto que a minha vida não passa de um destino que meus pais traçaram, de seus desejos e esforços para que eu fosse a Minjeong perfeitinha que vai herdar a empresa deles e se casar com um homem podre de rico e provavelmente superficial que vai me deixar sozinha em casa para as suas viagens de negócios, chegar frequentemente com enxaqueca e tomar um chá quente enquanto atende um telefonema de um funcionário chato, não vai saber nem quantos anos eu tenho mas seus olhos estarão nos nossos filhos e eu usarei sua conta bancária, ele dormirá alguns centímetros longe de mim, se eu ficar doente ele irá comprar alguns remédios da farmácia da esquina e então dirá que precisa sair ou assistirá pornografia no banheiro, mas nós seremos vistos como o casal perfeito, adolescentes espinhentos nos terão como inspiração e a vida vai continuar a mesma merda porque ninguém vai saber o quão infeliz é nossa família meia boca.

As paredes brancas e lisas do meu quarto ostentam certificados de honra, prateleiras com troféus e medalhas ordenadas por ordem de relevância, desde minha primeira medalha (que foi de bronze) aos quatro anos, em que venci uma competição infantil de balé, até a minha medalha de ouro que ganhei em um debate internacional sobre a economia africana. Eu não me lembro bem da minha infância e adolescência, tenho apenas pequenas recordações, como a água fria das minhas aulas de natação, bilhetes amorosos de garotos lotando meu armário e garotas que provavelmente eram minhas amigas, mas não lembro seus nomes, rostos e tenho certeza de que se aproximavam de mim por puro e lógico interesse que acabou cessando com o tempo ao passo de que percebiam que com a minha amizade não iriam ganhar uma coleção de porsches ou namorar meu irmão mais velho super gato e rico inexistente.

Por uns dois meses, procurei tratamento psicológico. Me perguntava porque eu não conseguia lembrar e ao mesmo tempo, conseguia. Minha psicóloga, Taeyeon, disse que era porque eu tive uma vida extremamente agitada (até hoje tenho compromissos marcados fora do meu expediente, intercalando com aulas de línguas, esportes e tudo o mais) e sempre carreguei cobranças e expectativas nas costas e agora, sou uma adulta de vinte e um anos meio amargurada e com um cansaço impregnado no meu corpo que só irá sair se eu passar dois anos nas Ilhas Maldivas intacta em uma espreguiçadeira enquanto sou servida diretamente na boca de creme caramelizado de abacaxi e champanhes franceses.

Algo me tira de transe, provavelmente minha irmã Jiwoo de quinze anos que acha que vai sofrer um derrame cerebral ou pegará lepra se largar sua raquete, porque essa parece ser a única explicação plausível para ela fazer questão de jogar sua bolinha de tênis desgraçada vinte e quatro horas por dia na sua parede que por coincidência, é ao lado da minha. A Jiwoo é vista como uma segunda opção, um investimento secundário caso eu surte e vire uma assassina maníaca e extremamente sanguinária, como a irmã-da-Minjeong que não é tão talentosa quanto ela mas serve de substituta. Às vezes me preocupo com isso, com o que minha irmã deve sentir, mas ela não dá a mínima e prefere dizer que vai ser jogadora de tênis por bem ou por mal.

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