O Vilarejo de Yasumaki já vira dias melhores.
O que no passado era brilhante, próspero e sonhador, agora era cinzento, infausto e pragmático.
Duas grandes ruas cortavam o lugar, pavimentadas com arenito. As duas se separavam num grande V, uma subindo a colina, forrada de arrozais, e a outra, seguindo a margem do córrego no sopé dela. O lugar era cercado de pinheiros que acompanhavam a outra margem do córrego e um bosque de carvalhos acima das assimétricas plantações de arroz. As cabanas que se erguiam por entre cada fresta de terreno regular eram simples, feitas de madeira e barro e com telhas feitas de argamassa, mas tinham uma imagem receptiva e aspecto confortável. Algumas das cabanas utilizavam portas de correr, feitas de quadradinhos nivelados e interligados de madeira, e algumas se davam ao luxo de preencher as lacunas com papel de arroz. Não havia criação animal, exceto, de cavalos e corvos, para locomoção e comunicação. As diversas pilhas de peixes, pescados do córrego do riacho de mesmo nome do vilarejo, juntamente com o arroz, eram o principal alimento dos habitantes.
Os arrozais só existiam minimamente nesses tempos, com muitos velhos e enfermos para cuidar de todos, e o musgo e o bolor já cobriam muitas residências. Os moradores, que eram poucos, viviam escondidos, com medo da reivindicação do imperador às terras. O riacho e o vilarejo ganharam esse nome baseado na lenda popular de Yasumaki, O Correto, que supostamente vivera ali.
Yasumaki fora um habilidoso samurai que um dia cometeu seppuku naquelas águas, mas antes, salvou o próprio inimigo, um correspondente de uma nação vizinha que trazia uma carta de paz em mãos, e na qual, o conselheiro do imperador queria distância. O conselheiro queria guerra por motivos pessoais e desconhecidos, e mandou Yasu se livrar do mensageiro. O samurai não seguiu essa ordem e guiou o mensageiro até o imperador, que abraçou a ideia de paz. E, assim, Yasu manteve sua promessa de dever com o Império, trazendo assim a paz.
Posteriormente, a desonra de desrespeitar uma ordem direta, supostamente o fez cometer suicídio. Muitas variações dessa história existem, como a popular entre os jovens, que diz que o mensageiro, na verdade, era uma linda mulher que conquistou o coração de Yasu, porém, o final é sempre o mesmo. E, desde sempre, o riacho tem sido alvo de pessoas que buscam oficializar sua promessa em água banhada com o sangue sagrado do samurai.
É claro que ninguém que passasse pelo riacho ia até o vilarejo, todos seguiam a estrada imperial, até a cidade-castelo de Taimei. A cidade era considerada rica e próspera, apesar de não manter relações com a capital, e se mantinha em crescimento pelo comércio com as outras cidades do litoral e seus parceiros na costa europeia. Todos eram bem-vindos em Taimei, porém, as terras do vilarejo Yasu eram heranças de família, e os moradores que ficaram não iriam sair mais. Sakinawa, que nasceu e cresceu no vilarejo de Yasu, entendia esse sentimento melhor que ninguém.
Sakinawa vivia na cabana mais afastada do vilarejo, que tinha acesso por uma das vielas da rua mais baixa, rente ao arroio. Esta mesma rua, era chamada de estrada imperial, mas não cruzava com a verdadeira estrada imperial. Tinha esse nome porque já fora um forte ponto comercial entre o litoral e a capital, além de receber mercadores europeus, e até duques e princesas, vindos de Nagasaki, como diziam os antigos.
A cabana de Sakinawa era de madeira, grande, antiga e tomada por musgos nas extremidades exteriores e bolor entre as vigas internas, mas, ainda assim, era de longe uma das mais aconchegantes dali. Saki sempre cuidara da grama, da limpeza e da manutenção necessária para as portas corrediças (algo que aprendera com o falecido pai), e mantinha o papel de arroz nas portas sempre em bom estado. Era uma das poucas moças do vilarejo que tinha alguma beleza.
A casa era rodeada por mato baixo que durante a noite se enchia de vagalumes. Atrás dela, uma grande ameixeira que florescia arroxeada sobre o pico chamado Garra.
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O Andarilho
FantasySakinawa, uma garota criada num vilarejo do interior do Japão, desperta um poder ancestral, capaz de percorrer realidades paralelas. Diante disso, é visada pela família Taimei, que busca uma forma de escapar da ruína iminente de sua cidade-castelo...