Parte 1

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A Notícia
Jonas

Era um dia como qualquer outro. O sol estava quente, e muitas mulheres frequentavam a lanchonete em que trabalhava, por causa dos meus belos olhos esverdeados e os cabelos loiros que caiam por meu nariz fino em rumo aos lábios rosados. Traços típicos dos caucasianos que normalmente levam as damas a loucura. Uma herança de meus avós que viveram no sul do Brasil, e eram descendentes de Europeus.
Enquanto limpava a mesa olhei para a TV e vi que o caso da Incendiária Satânica tinha sofrido uma reviravolta. A moça responsável pela destruição do Templo da IURD foi dada como Borderline, e em vez de ir para a cadeia foi transferida para o Instituto Vidal. Isso me fez rir. Era um calouro na especialização em psiquiatria, e pelos traços do crime da mesma tive a certeza de quê se tratava de uma psicopata manipulando o sistema. Algo muito comum nas terras tupiniquins que parecia adorar os corruptos, os assassinos, e os bandidos.
Olhei com desprezo para a cena. A garota fazia questão de esconder a sua face com os longos cabelos negros que cobriam seus braços pálidos. Ela definitivamente tinha planos de fugir. Estava muito calma para quem tinha acabado de ser condenada ao hospício, e é muito mais fácil escapar quando os cidadãos não sabem a quem denunciar.
Ela era uma antissocial. Não havia dúvidas disso, e dizia a mim mesmo que se tivesse de lidar com o seu tipo, não a deixaria escapar impune da responsabilidade por seu ato, porquê ainda que não gostasse de religiões ligadas a Cristo, e acredite em mim quando digo que realmente detestava tudo ligado a figura do Messias, não achava justo queimar um templo apenas para provar que a sua fé é a certa, pois se assim o faz, não está se distanciando dos inquisidores que destruíam aldeias e pessoas, apenas por discordar da sua crença.

O RELATO DA CULPADA
A Incendiária Satânica


Se eu contasse o meu lado da história ninguém acreditaria em mim. Não quando publiquei dois livros biográficos de sucesso que comprovavam sobre a minha raiva pela igreja. Por isso optei em manter a minha boca fechada, e suportar o fardo por um crime que foi dado como premeditado, mas que nada planejei.
Ao sair da delegacia haviam inúmeras pessoas na porta com cartazes de protesto. Elas queriam justiça para os fiéis, e não podia culpá-las. No seu lugar também desejaria o mesmo. Ou não, esses assuntos nunca me despertaram compaixão. No meio da multidão também haviam alguns fãs da minha atitude, e isso me dava raiva. Eu não era uma radical para ser adorada por um bando de fanáticos. Contudo dadas as circunstâncias talvez fosse.
Nem eu sabia explicar o quê tinha acontecido. Num momento estava chorando porquê o colapso se aproximava, e no outro ouvi os odiosos versos do pastor que me fizeram tremer de raiva enquanto minha mãe chorava acreditando naquela falácia. "O Diabo é mal." "O Diabo vem para te tentar". "O Diabo vem para matar e destruir". Era sempre o Diabo, nunca os próprios fiéis que por reprimir os seus desejos mais naturais acabavam por explodir, e isso me dava nos nervos de tal forma que quando dei por mim estava rodeada pelo fogo.
Entrei no carro depois de cobrir minha face. Se algum dia saísse da cadeia, não ia querer que meus "fãs" me procurassem. A fiança foi paga, não sei como pois era muito cara, mas a caminho de casa minha mãe fez uma parada no Instituto Vidal. Fiquei confusa. Minhas receitas de Olamzapina e Carbolithium estavam em dia. Então conclui que ela ia marcar alguma consulta. Afinal para todos os efeitos eu tinha surtado.
Acertei em parte, e quando abri a porta do carro um par de enfermeiros brutamontes vieram ao meu encontro com seringas. Era 2018! Tal coisa não deveria acontecer! Mas quando minha mãe disse entre lágrimas que "era para o meu bem", soube que a mesma assinou os papéis da minha internação.
Aquilo foi um pesadelo que criou vida. Desde que os meus devaneios se intensificaram, este era o meu maior medo, e quando vi o olhar dos homens que me arrastavam, tive a certeza de quê o pior aconteceria.

















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