I was thinking about who you are, your delicate point of view, I was thinking about you.
Baixo o volume do meu auto falante, minha mãe está me chamando para almoçar, aviso que já estou indo e apoio minha mão na cadeira da escrivaninha. A voz dela invade a minha mente, um suspiro escapa pelos meus lábios. Vou caminhando pelo corredor até chegar na cozinha a voz de meu pai invade meus ouvidos.
- Como você está se sentindo sobre seu primeiro dia na escola nova?- ele pergunta ansioso pela resposta, posso sentir pelo tom da sua voz.
- Ah, não sei pai...
- Como assim não sabe? Não está animada?
- Não, não é isso, é que depois da pandemia acho que me acostumei com o conforto da minha cama. E também porque não tenho nenhum amigo nessa escola.
- Eu garanto que você consegue fazer novos amigos, nessa escola todo mundo é legal e é uma cidade pequena, logo você acostuma!- minha mãe fala animada.
Depois disso ninguém fala mais nada e almoçamos em silêncio. O primeiro dia na escola pode parecer normal para qualquer um mas não pra mim que sou deficiente visual, ansiosa e com um total de zero amigos. Não conheço ninguém nessa cidade tirando minha vó e a menina que me ajudou, mais cedo, no mercado.
Chego na escola agarrada na minha mãe, minhas mãos estão suadas, eu tento me concentrar na textura do suéter dela, ele é fofinho e áspero ao mesmo tempo.
Caminhamos pela escola e posso ouvir conversas, risadas e gritos vindo dos corredores. Entramos em uma sala que suponho ser da diretora da escola. Logo sou recebida pela voz estridente da mulher que, acredito eu, coloca ordem nessa escola.
- Seja bem vinda, Liv! Posso te chamar de Liv? Ou você prefere Olívia?
- Olívia, obrigado.
-Ok, Olívia, logo a aluna responsável por você vai chegar.- assim que ela fala a porta atrás de mim é aberta e em seguida fechada. Meu coração acelera, não fazia nada sem a minha mãe nesses últimos dois anos, não confiava em ninguém só nela, e no meu pai óbvio, mas só de pensar que outra pessoa, que não é minha mãe e sim uma completa estranha, vai me guiar por toda a escola pelo resto do ano, eu já fico nervosa, ansiosa, talvez devesse falar com Julia, minha psicóloga.
- Boa tarde Sra. James, desculpa o atraso acabei perdendo a hora.... Oi, Olívia! Prazer, meu nome é Maria.
- O-oi.- é o máximo que consigo dizer. Ela pega na minha mão e eu me assusto, a mão dela é macia e fria, estão um pouco suadas, posso dizer que ela está nervosa? Por quê?
- Minha mão tá suada né? Desculpa é que a senhora James me da medo...- ela cochicha no meu ouvido me fazendo rir. Eu tô rindo? É estranho para uma pessoa que estava morrendo de medo a cinco segundos atrás.
O tempo passa e já é hora do recreio, Maria me ajuda a sentar em um banco nada aconchegante. Recostando meu corpo no assento de madeira eu solto um suspiro.
- Pense assim, pelo menos já foi metade do inferno!- Maria se pronuncia. Meu riso sai sem força, como rir pelo nariz.
- Ei, Maria!- aquela voz... eu conheço essa voz, é a menina do mercado! E agora? O que eu faço?- Oi, o que você vai fazer nesse fim de semana?
- Nada, por quê?
- Vai ter uma festa na casa do Gabriel, no sábado, tá afim de ir?
- Tá claro.
- Oi Liv, você tá bem?- ela pergunta meio envergonhada.
- E-eu tô, estou bem sim, e você?- é uma pergunta padrão, foi o que meu cérebro conseguiu processar. Como eu posso estar tão envolvida pela voz de uma garota?
- Ah, sabe como que é né, naquelas. Enfim, eu vou indo, até sábado! Ah, Liv você também tá convidada se você quiser é claro.
- Eu tenho que falar com a minha mãe primeiro.
- Tudo bem!- ela fala, saindo.
- Ok, o que foi isso?- a garota ao meu lado me pergunta.
- Isso o que?- eu respondo com outra pergunta.
- Como você conhece a Bia?- então esse é o nome dela?
- Bia?
- É Bianca. Como você conhece ela?
- Ah, ela me ajudou no mercado hoje de manhã, só isso.
- O seu corpo tá dizendo que não é só isso...- sua voz sai em um tom malicioso e eu posso imaginar o sorrisinho torto no seu rosto.
- O que foi? Eu gostei da voz dela, algum problema?
- Não, nada, só que você parece apaixonada...
- Eu não estou apaixonada!- talvez eu esteja sim apaixonada...
Um mês se passou, eu fui naquela festa, conheci várias pessoas e o meu medo se sofrer bullying se foi. Todos aqui são super legais, e eu sou amiga de todos, os meus colegas são inclusivos, até as escola que antes era toda cheia de escadas agora está sendo adaptada, com rampas e corrimãos. Minha locomoção ficou mais fácil agora e me sinto acolhida.
Se você quer saber sobre a Bia, estamos juntas e no atual momento, em uma praça, segundo Bia, estamos sozinhas. Deitadas no chão, um beijo é depositado na minha bochecha, o sol está quente de um jeito humanamente insuportável, posso dizer isso porque meu braço está no sol, o resto do meu corpo está deitado sobre a sombra do que posso presumir ser uma árvore.
- Esse lugar é lindo! É uma pena você não poder ver....
- Você pode descrever pra mim...
- Tudo bem eu vou tentar... a grama é verde, num tom claro como, como.... uhmm igual á um lápis de cor verde limão, essa árvore em cima da gente tem folhas, mas a maioria ainda está nascendo, por isso seu braço tá no sol. Ahm tem uma pracinha com balanços e um escorrega, no chão tem areia e brinquedos de praia.
- Parece bom...- toco sua mão e sinto que conversar com ela parece a coisa mais fácil do mundo.
- Posso parecer uma doida agora mas acho que depois que eu me assumi pra minha mãe o mundo não é mais um bicho de sete cabeças. E tudo graças a você.- ela fala apertando mais forte a minha mão como se eu fosse fugir a qualquer momento, o que não vai acontecer.
- Você também deixa o meu mundo mais fácil. No sentido literal!- ela gargalha alto o que me faz rir junto.
Sinceramente acho que agora não preciso mais da minha mãe, nem do meu pai, nem de terapia, acho que agora posso viver em paz sabendo que a Bia vai sempre estar do meu lado não importa o que acontecer, eu a amo e sei que esse sentimento é recíproco. Com ela me sinto mais lúcida como se realmente estivesse vendo o mundo ao meu redor.
I'm just thinking about you.
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Contos De Uma Tola
KurzgeschichtenAqui vc vai encontrar alguns textos escritos por mim e produzidos pelo meu lindo cérebro.