00| Epígrafe

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Eu afundava em uma penumbra infindável.

Não havia uma descrição para a sensação, mas apesar do desespero se destacar entre o turbilhão de emoções que estava me consumindo, a escuridão era a única coisa que eu podia ver por trás das íris que ardiam como chamas pela água salgada do oceano.

Em meu eixo, o meu corpo se debatia com dificuldade em meio ao mar agitado. Eu conseguia ouvir gritos abafados, vozes conhecidas implorando por ajuda até que se engasgassem com a água e não tivessem mais forças para continuar resistindo.

E eu continuava ali, paralisado.

Minhas pernas e mãos se movimentavam automaticamente, não havia controle algum sobre elas. Quando a embarcação virou-se para cima de mim, fazendo com que eu ficasse preso debaixo da água e com uma imensa dificuldade em encontrar a superfície, pensei em apenas uma coisa: Hoje irei morrer.

E mesmo que essa certeza já estivesse pré-estabelecida, continuei nadando ao máximo. As feridas em meu corpo ardiam como o inferno a cada vez que um grão de areia entrava na fenda da carne machucada e crua. Era uma dor imensa que, eu sabia, logo me faria perder os sentidos a qualquer instante. Mas na realidade, os machucados não eram tão dolorosos quanto a experiência de ver os outros corpos naufragados desistindo.

Eu não poderia mudar nada, aquele era o meu destino.

Sinceramente? Eu preferiria a morte.

Naquela noite, implorei por ela como nunca antes.

Era pra ser um dia memorável, perfeito, uma bela noite em alto-mar comendo e observando as estrelas do ponto litorâneo.

O meu calcanhar de aquiles estava sendo destruído em frente aos meus olhos. E eu nada poderia fazer.

As únicas memórias que guardei foram das manchas vermelhas espalhadas pela água, iluminada pelo luar e o farol da embarcação, e de um sonho destruído pelo que eu mais amava: O mar.

O barulho das ondas batendo contra as rochas, o sentimento angustiante de estar debaixo da água congelante da bacia oceânica, as gaivotas antes adormecidas passando a voarem pelo céu, o barulho do motor girando ainda imerso e colado em mim, as ondas turbulentas jogando os corpos para os níveis mais fundos da praia. Tudo isso ficou marcado na minha memória e no meu corpo.

Foi exatamente naquele ponto que tudo começou.

No dia vinte e oito de novembro, o som do oceano tornou-se o meu maior medo.

O Som do Oceano | jikookOnde histórias criam vida. Descubra agora