My Body, Your Soul (MewGulf-TharnType)

Vinte Dois

TAR 

Ultimamente não tenho tempo pra pensar sobre todas as coisas que ando sentindo, aliás, sentimentos esses que não deveria sentir. De forma alguma. Eu lembro da primeira vez que me peguei tendo pensamentos humanos, foi uma simples e mera gargalhada verdadeira, eu não precisei fingir e só percebi segundos depois que aconteceu. Me lembro de sentir um medo tão grande que mal coube em mim, não era natural pra mim, não pra um anjo que foi treinado para que situações assim fossem forjadas. 

Eu fiquei mal por semanas por gargalhar verdadeiramente, por sentir um pouquinho da alegria que nunca tive ideia de como era até aquele momento. De onde venho não falamos sobre isso, porque não compete a nós, não é algo que deveríamos, nem mesmo que sabemos, para opinar-mos.

Sempre que recebemos almas humanas sabemos que devemos agir como eles, por isso estudamos todos seus sentimentos, jeitos, trejeitos, tudo que é humano. E fazemos igual.

E foi por causa dele. Ele fez isso comigo. E eu não posso agradecê-lo por isso, não quando roubou de mim a minha natureza, não quando foi o que me corrompeu. No entanto, não posso dizer que o odeio. Depois daquele momento me perdi completamente e não pude mais voltar atrás, daí veio outros sentimentos e sensações que não posso controlar. Mas que só acontecem com ele. 

Fiquei viciado com a sua presença, nos primeiros meses que passei com Type, só nós dois, foram os melhores da minha vida, que nunca vai acabar. O único problema é que ele é a minha missão, ele é o meu trabalho e é o que eu fui treinado por séculos para resolver. Type é o problema que eu tenho que solucionar. Ele é um defeito no mundo que eu vim pra consertar, um erro que não é sua culpa, mas sim minha. 

Eu fiz isso com ele. Type é fruto de um erro que EU cometi.

Lembro bem quando aquele garoto insuportável e assustado acordou dentro de uma caverna suja e escura, estava assustado e com medo de tudo. Vigiei ele por dias desde que perdeu o bem mais valioso que tinha, sua alma. Quando cheguei para resolver o problema da "alma fujona", fui aclamado por todos por saber exatamente o que fazer, sempre me consideraram o melhor dos Anjos da Guarda. 

Mas Tharn não morreu para que eu consolasse e direcionasse sua alma ao lugar certo, ela foi roubada dele e ganhou vida própria. Então o que eu poderia fazer? Ir atrás e pegá-la de volta. Foi o que eu fiz, depois de meses de procura consegui chegar até ela, e foi um alívio. Era um bebê de uns seis meses de idade, havia acabado de nascer, era lindo como um anjo menor. Mas eu tinha que fazer meu trabalho.

Ele era tão frágil, e na época a alma que hoje parece ter se adequado muito melhor aos corpos que ocupa, era extremamente violenta pro corpo miúdo da menininha. Ela morreria em poucos meses de qualquer forma, no entanto, quando tentei fazer a extração normalmente, como de costume em alguns casos, ela chorou tanto e depois parou. E foi um silêncio eterno que ouço até hoje reverberar, mesmo não entendendo esse sentimento. 

Vi aquela luz forte e lilás subir daquele corpo pequeno e destruído, roxo de machucados. Nunca havia visto uma força como aquela, era surreal, na hora soube que se tratava de um feitiço extremamente forte e que qualquer pessoa que fosse vítima daquela aberração seria morto. No momento em que a força desligou-se do bebê, foi como se uma granada explodisse e me jogasse pra longe, vi de longe a alma ir embora tão rápido quanto chegou. 

Não fiz nada pra impedir, mesmo ela estando ali na minha frente e sendo o meu trabalho prendê-la. Olhei para o bebê no berço rosa cheio de ursos que antes eram de cores delicadas, agora chamuscados de uma cor preta destrutiva. Lembro perfeitamente quando sua mãe entrou no quarto e o olhou com uma cara de puro terror, sem saber o que tinha acontecido, estava atônita e vi sua cor sumir do rosto.