Luz da fogueira

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Ele teve a sorte de acordar mais um dia. Não era fácil. Dainsleif estava sentado perto da fogueira; as chamas tremeluzindo com o vento, Aether não fez barulho. Ele apenas ficou lá olhando o rosto do homem mais alto iluminado pelas chamas na noite. Devia ser por volta das 7 da manhã, o viajante podia dizer pelo cheiro do vento. Não pelo céu, o céu era uma mentira.

-Tudo é uma mentira. -Dainsleif não olhou para ele; ele apenas falou suavemente, olhando para longe, sendo o mesmo vigilante de sempre. -Porque eu não consigo fingir como todo mundo? Você também não consegue, consegue, Aether? Você sabe que esse mundo não é para você, mas ainda assim você quer dar a ele uma chance. Isso é algo que eu não posso entender. Eu não sei por que você insiste tanto em ir atrás dela, uma vez que ela claramente não quer ir embora.

Aether suspirou, se levantando lentamente e alongando seus braços, apenas para se sentar ao lado de Dain. -Você não sabe. Eu também não sei. Deve ter algo bom no final dessa jornada, Dain. No fim das contas, ela não quer ir embora e eu não posso ir sem minha irmã, então eu vou ficar aqui e, você sabe... Talvez aproveitar a viagem? -Ele deu um sorriso falso, mas Dain continuou com sua cara de nada.

-Eu sei que você odeia quando eu digo isso, mas você soa exatamente como ela costumava soar... -A voz de Dainsleif soou triste, mas ele estava certo: Aether odiava ser comparado à sua irmã por ele.

-Eu acho que nós deveriamos parar com a conversa triste e você deveria descansar um pouco enquanto eu fico de guarda. -Aether fingiu o mesmo sorriso; dessa vez Dainsleif olhou para ele.

-Não tem como eu não falar sobre isso de novo alguma hora, Aether. -Ele retirou a máscara que usava, colocando-a para o lado e se virando para encarar Aether.

-Você vai mentir pra mim de novo, Dain. Nós sempre terminamos do mesmo jeito. Eu te pergunto algo que você não quer responder e você mente, porque assim eu não pergunto mais. Mas aaí eu percebo que você está mentindo e fico realmente chateado, mas eu preciso de você, então eu acabo procurando por você de novo. É um ciclo vicioso. Estou aprisionado, mas eu amo você, então eu tendo a olhar para o seu lado bom. Mesmo que você só esteja comigo por causa da minha irmã.

-Isso não é verdade. -Dainsleif estava perdendo a sanidade e Aether sabia disso. -Tenho coisas no meu passado das quais eu me arrependo, mas eu não estou com você por causa da sua irmã. Estou com você por que eu gosto de você. E eu quero estar com você na sua jornada. E eu apreciaria muito se você apenas se esforçasse para acreditar em mim.

-Você gosta de mim, mas não é o suficiente. Eu preciso mais do que isso, Dain. Eu desejaria que você pudesse me dar isso, mas você não pode. Você não me ama e você não quer me amar. Você está sofrendo e eu entendo esse sentimento, então não quero ser um fardo pra você.

-Você nunca será um fardo pra mim, Aether. -Dainsleif se virou para encarar Aether, o olhando nos olhos. Então segurou suas mãos falando calmamente enquanto o olhava diretamente nos olhos dourados. -Eu amo você, isso não é uma mentira.

-Você é o melhor mentiroso que eu conheço e eu me odeio por querer acreditar em você, Dain. -Aether estava sério, não acreditava em nenhuma palavra do que o maior lhe dizia, depois de tanto ser magoado por ele. A verdade estava escrita em sua cara, era a Lumine a quem ele amava, não ao irmão gêmeo tolo dela. Aether era só um estepe, alguém para que ele satisfizesse suas necessidades, a pessoa que mais parecia com sua amada em todo o mundo, afinal, era seu gêmeo.

No entanto, era sempre uma luta evitar Dainsleif. Ninguém sabia mais sobre o abismo e Khaenri'ah do que ele, um sobrevivente amaldiçoado. Aether precisava daquele conhecimento, precisava dos caminhos pelos quais apenas Dainsleif poderia guiá-lo, no entanto era doloroso demais estar com ele. Era doloroso desejá-lo e saber que ele não sentia o mesmo, amá-lo e compreender-se incapaz de fazê-lo feliz. Algumas pessoas simplesmente não nasceram para alcançar a felicidade e aparentemente esse era seu caso e o de Dain. Dain amaldiçoado pela vida eterna, a vagar e lutar contra seu próprio povo a quem tanto defendeu. Aether amaldiçoado a uma vida sem ser correspondido pela pessoa por quem daria sua vida, a nunca mais poder voltar pra casa ou fugir de seu cruel destino cheio de dor e infelicidade.

-Me permita te beijar, Aether. -O maior levantou sua mão direita acariciando o rosto delicado do viajante, vendo-o fechar os olhos ao seu toque e suspirar. Aether não respondeu, então ele se aproximou devagar e selou os lábios gentilmente aos do viajante que não reclamou nem fugiu, sendo assim, Dainsleif se permitiu tomar os lábios dele num beijo calmo e gostoso.

Aether correspondeu quando sentiu os lábios do maior se pressionando aos seus e movimentando-se com calma, permitindo que a língua dele adentrasse sua boca e tocasse a sua com suavidade, iniciando movimentos lentos e gostosos, prendendo-o novamente naquele ciclo vicioso. A boca de Dainsleif era a única coisa capaz de trazer ao mesmo tempo dor e prazer ao viajante. Cada vez que o beijava sentia que perdia parte de si e não ganhava nada em troca. Era como se ele fosse um vampiro que apenas sugava tudo o que Aether tinha a oferecer sem deixar nada de si para trás, mas ao mesmo tempo o sabor dele era um veneno que corría sua mente e o fazia desejá-lo como se ele fosse tudo o que Aether precisava no mundo.

Sempre se odiaria por desejá-lo, mas estava escrito em seu destino, muito além das estrelas falsas no céu.

Depois de iludí-lo com seus lábios, Dainsleif finalizou o beijo com alguns selares e levantou-se, indo se deitar por um breve período para descansar enquanto Aether mantinha a guarda pelo resto da noite, sentindo o frio da noite correr por seu corpo como se entrasse sob sua pele e atingisse o âmago de sua alma.

Longe da vista e do conhecimento de Dainsleif, por mais uma noite, Aether chorou em silêncio escondendo seu coração partido mais uma vez entre as cinzas da fogueira. 

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