002| Pai

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Isabelly

_ Que isso, tô me sentindo mal agora. Sou tão feio pra tu fazer essa cara de enterro? Cê é louco! _ Ret diz com uma falsa tristeza e senta na cama.

_ E-eu... _ Minha voz falha, merda, eu nunca gaguejei tanto quanto hoje. _ eu não acho você feio, mas não é certo eu ter dado para alguém e nem mesmo me lembrar, isso meio que seria...

_ Est*pro. _ Assinto. _ Eu sei disso, só estou tirando uma com a tua cara. A gente não fez nada, você quis, mas eu não curto muito isso não, certo? Quando fodo alguém gosto que lembrem de cada detalhe.

_ Ah, menos mal. _ Suspiro aliviada. _ E minhas coisas?

_ Tudo jogada lá na sala, caralho tu veio que nem um furacão! _ Ele dá uma gargalhada e eu admito que foi uma das risadas mais bonitas que já ouvi/vi. _ Jogou tudo pro ar!

_ Aí meu deus, que vergonha.

_ É, quem diria que aquela patricinha do asfalto que chegou toda cheia de marra querendo ser superior ia dar o show que deu essa madrugada. _ O sarcasmo em sua voz me irritou de um forma que apenas abro a porta com tudo, indo para a sala. _ Relaxa menina, é só brincadeira.

_ Você é cheio dessas brincadeiras né!? Eu vou embora daqui, cadê a porra da Dayane?

_ Ela já foi embora faz tempo, eu disse que ia te levar. _ O olho espantada, meus olhos se arregalam e minha boca abre em um quase O.

_ Eu não acredito...

Visto minhas roupas rapidamente e calço meus saltos, abro a porta da casa e ao olhar onde estamos percebo que aquela casa era chique demais em comparação ao local que estava localizada. Desço o morro tentando me localizar mas apelo para o mesmo que nos trouxe aqui, google maps. No início Filipe Ret ainda tentou vir atrás de mim, mas com a ameaça de ter seu morro invadido por policiais, ele desistiu e me chamou de vagabunda. Nada melhor que uma ofensa para começar o dia.

Quando finalmente estou na entrada do morro peço um uber com o restante da minha bateria, logo um carro com um idoso dentro chega. Entro sem pensar duas vezes e desabo á chorar como criança.

_ Moça, o que houve? _ Não respondo._ Parece que passou por poucas e boas.

_ Eu nunca mais boto meus pés nesse lugar, tio, nunca mais! _ murmuro pro senhorzinho que me olha com pena pelo retrovisor.

Eu não estava triste pelo mico que passei, bom, talvez um pouco. Mas o que realmente me chateou fora a falta de senso de Dayane de primeiramente me deixar numa saia junta com traficantes, ignorando o fato que era praticamente uma festa de aniversário na boate já que o dono era meu amigo, e depois me deixar bêbada com um deles e ir embora. Porra eu poderia ser morta, estuprada, e o que mais acontece com mulheres.

Quando saio do carro cambaleando minha mãe  que aparentemente iria sair para sua caminhada matinal vem ao meu encontro, praticamente corro e pulo em seus braços como quando era criança e me machucava.

_ Filha, olha seu estado, por Deus! _ Ela me abraça e começo chorar novamente.

_ Não me pergunta nada mãe.

_ Seu pai tá uma fera, Bel.

Apenas suspiro e entro em casa, papai está no sofá lendo alguma coisa no seu tablet e apenas me olha por cima dos óculos. Sai praticamente correndo da sala e vou tomar um banho.

••••

_ Eu já te disse um milhão de vezes Isabelly Ricci, e eu não vou repetir. _ O mais velho brada sentado na cadeira.

_ Qual é pai, eu já te disse que só fomos festejar meu aniversário! Poxa, nem isso posso mais?

_ Numa favela Isabelly, NUMA FAVELA! _ Diz, seu tom era tão reprovador que por um instante percebi que lá não era esse inferno todo que sempre falam. _ Pelo amor de Deus, você tem noção do quanto ficamos preocupados?

_ Por que diabos você instalou essa merda desse localizador, pai? Isso é loucura. _ Vocifero me levantando, ele também faz o mesmo.

_ Uma moça de família num baile funk, olha... já não basta ter abandonado a medicina, estragado o legado dos Ricci com essa bobagem toda de trabalhar com moda.

_ Quer saber? Tava num baile funk sim, e me diverti muito!

_ No mínimo deve ter sido drogada por esses faveladinhos, esse povo da periferia... _ o interrompo.

_ O pai, cala a boca. _ Peço e ele me olha com raiva. _ Às vezes me pergunto o motivo de eu ser tão inflexível, e até preconceituosa, mas claro, do pé de manga não cai morango.

_ Eu ainda sou seu pai, Isabelly! Me respeita como tal.

Viro às costas e saio pisando firme, mamãe estava na porta escutando tudo sem dar um pio. Era uma boa esposa, claro que era.

Eu estava cheia de ódio, tristeza, mágoa. Entro no meu quarto e grito em plenos pulmões, que se foda tudo! Busco entre as minhas peças íntimas uma bolsinha preta e me tranco no banheiro, de dentro tiro uma coisinha que Pedro havia me dado.

"Cara, quando estou estressado isso me relaxa de um jeito, na moral, experimenta qualquer dia desses."

Dois baseados e um isqueiro foi o "presentinho" do meu amigo, coisa de louco. Eu nunca havia fumado, nem mesmo pod, então aquilo seria um pouco radical. Acendo o cigarro entre o lábios e tento tragar, a fumaça de odor um pouco forte sai pelos meus lábios e novamente a mac*nha vem de encontro à minha boca.

••••

Observo meu reflexo no espelho, meus olhos estavam levemente vermelhos e eu parecia de certa forma, bêbada? Dou uma risadinha e entro na banheira que havia enchido de sais de banho, a água quentinha me faz suspirar e ficar lá por um bom tempo.

_ Não é que o desgraçado tinha razão. _ Sussurro e rio sozinha.

••••

_ Filha, vamos jantar. _ Minha mãe diz me sacudindo, olho pra ela com a preguiça estampada no rosto. _ Bel, você tava chorando!?

_ Não mãe. _ Respondo entre risadas, porra antes fosse. _ Pode ir, só vou trocar de roupa e já desço.

Coloco um conjunto de pijama comprido e prendo meu cabelo em um coque, ele estava completamente emaranhado pela falta de pente. Desço as escadas indo para cozinha e logo vejo meus tios, meu pai e minha mãe, e claro... Valentina.

_ Nossa Isabelly, tá bem acabadinha né prima? _ Sorrio amarelo me sentando na sua frente.

_ E sua língua tá bem grandinha. 

O jantar corre daquele modelo brasileiro, os homens falando sobre trabalho enquanto raramente as mulheres riam das piadas ou faziam comentários breves. Termino meu jantar e me levanto da cadeira, mas meu pai me chama.

_ Fica. Ainda não terminamos. _ Ordena e eu me sento novamente. _ Já que está tão apressada vou contar a novidade.

_ Que novidade?

_ Amanhã você começa trabalhar em uma ONG no Morro do Sabiá, você é uma pessoa que gosta tanto desse tipo de lugar, não é mesmo? _ A ironia na sua voz me fez querer vomitar.

_ Você não pode decidir isso por mim, Joseph.

_ Posso. Amanhã mesmo o motorista te levará até o início do morro, e não tente fugir que corto sua mesada e paro de pagar todas essas exigências dessa sua faculdade.

Subo as escadas correndo, havia tanto ódio no meu coração que doía. Fazem três anos que imploro para o homem que eu chamava de pai me deixar trabalhar, mas ele nunca deixou e agora...

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