Isabelly
Eu estava moída, havia passado o dia inteiro brincando com as crianças enquanto ainda ajudava Mariana organizar algumas coisas na ONG. Chego em casa e meu pai está sentado no sofá conversando com minha mãe, passo pelos dois ignorando tudo o que falam.
_ Como foi seu primeiro dia trabalhando, Bel? _Ignoro a pergunta do meu pai, apenas levanto a sobrancelha e subo as escadas.
Me senti culpada por todos esses anos que tinha uma visão tão deturpada das comunidades, uma visão preconceituosa e que via todos que moravam lá como vagabundos ou coisas do tipo. É, eu sei... é algo retrógrado. Mas o que eu poderia fazer? Cresci em uma família que me fez pensar isso, minhas amizades eram limitadas a elite de São Paulo que eram igualmente preconceituosas, nunca nem mesmo pisei em um bairro de classe baixa.
Quando entrei hoje de manhã no morro, Mariana fora me buscar e me apresentou alguns pontos como a quadra onde geralmente acontecia os bailes, um ginásio velho e alguns outros lugares. Em nenhum momento vi os traficantes apavorando os moradores, inclusive eles conversavam como se fossem grandes amigos. A ONG era uma casa grande, com um quintal no fundo que foi transformado em um local para as crianças brincarem, ela ajudava moradores que tinham crianças e proporcionava lazer á elas, além de ajudar com cestas básicas e etc.
A realidade era dura, não porque queriam, mas sim porque o sistema era foda. Ricos ficam mais ricos, e pobres? Esses ficam mais pobres ainda. Nunca soube o que é faltar comida na mesa, nem dinheiro para comprar uma roupa... mas eles, por mais que trabalhem, ainda sim é difícil.
Sair da bolha demora, mas quando você finalmente abre seus olhos para a sociedade ao sei redor... porra! Só sendo louco para ignorar todos os problemas, nosso país é incrível, os estrangeiros vêm e encontram um turismo maravilhoso, mulheres bonitas e gente educada, mas tudo isso só esconde nossos problemas sociais que estão aí, à vista.
Hoje me bateu uma vontade de chorar quando vi junto com Mariana um idoso carregando uma carroça que aparentava estar muito pesada em pleno sol de meio dia. Mariana suspirou quando me disse:
_ Seu Zé, os filhos formaram e foram embora do morro, nunca mais colocaram os pés aqui nem para ajudar o pai. Já tentamos aposentar o velho, mas ele é teimoso...
••••
Observo minhas roupas no espelho, um macacão longo azul claro e um sobretudo preto, no pé apenas calcei um salto não tão alto. Hoje o dia estava bem frio aqui em São Paulo, havia chovido muito á noite e ainda permanecia uma fina garoa.
Mamãe já estava na mesa, sentada ao lado do meu pai. Me sento no lado contrário onde o velho estava, iniciando meu café da manhã.
_ Já está indo para a faculdade, meu amor? _ Mamãe pergunta e eu assinto. _ Vai de carro nessa chuva?
_ Sim mãe, eu vou de carro.
_ Tá chovendo tanto, o motorista te leva lá!
_ Não precisa, ele não pode ficar lá esperando a manhã inteira e se for pra ficar indo e voltando, melhor eu ir de carro.
_ O Arnaldo vai te levar, você não dirige bem. _ Meu pai diz curto e grosso, quando abro a boca para reclamar ele faz sinal de silêncio.
_ Vai pro inferno, beleza?
Vocifero e saio de casa quase correndo, ou isso ou escutaria até amanhã pelo xingamento. Arnaldo me esperava do lado de fora, o pobrezinho era o último que merecia aturar meu mal-humor matinal então forço uma simpatia e dou bom dia.
•••••
No caminho do CPX eu observava as gotinhas de água correrem pelo vidro insufilmado, imaginando que elas estavam em uma corrida. A chuva ainda não havia dado trégua e quando Arnaldo estacionou no pé do morro eu o encarei.
_ Tá de brincadeira comigo homem de Deus? Olha o toró que tá caindo!
_ Não posso subir aí não dona Isabelly, ordens do seu pai, desculpa.
_ Aquele velho me paga ainda.
Desço do carro e me abrigo na primeira fachada que vi pela frente, disco o número de Mariana diversas vezes e nada. Estava sem sinal. Merda, merda, merda!
Resolvo enfrentar a chuva e começo subir, meus pés estavam encharcados e cheios de lama e meu casaco se tornou mais pesado ainda por conta da água. Depois de subir até a ONG percebi que estava fechada, eu devo estar pagando pecado!
_ Mariana! _ Grito e me encolho de frio. _ Que merda...
Estava completamente molhada, o frio fazia eu bater queixo e as roupas não faziam seu trabalho. Sento no chão e me encolho, esperando que alguém abrisse essa porta e dissesse "Nossa você chegou! Venha se cobrir e tomar um chá". Mas o que ocorre mesmo é um corolla branco buzinar sem ao menos abrir o vidro, não olho para o carro, e continuo na mesm posição.
_ Psiu, tu aí menina. _ Reconheço Colina pela fresta que ele abre no vidro. _ Entra no carro, Mariana não te avisou que ela não conseguiu abrir hoje? _ Nego e ele suspira.
Corro para dentro do carro e ele liga o ar-condicionado no mais quente possível, logo ele começa dirigir novamente e porra... esqueci de perguntar pra onde ele iria me levar.
•••••
_ Caralho Isabelly, você tá parecendo um picolé! _ Filipe diz apertando meu braço como se checasse a temperatura. _ Colina, fica de olho por aqui. E você vem comigo.
_ V-vai me levar lá pra casa da Mari? _ Pergunto receosa.
_ Mariana tá resolvendo uns B.O, vamos pra minha mesmo.
Eu não tinha muita escolha, mesmo não estando completamente confortável de estar na casa do traficante sozinha, eu ainda tinha um pingo de esperança que ele não iria fazer nada. Após algum tempo chegamos em frente á uma casa com uma fachada meio gasta, a mesma casa que eu praticamente fugi alguns dias atrás.
Eu e Ret corremos para a área tentando não pegar mais chuva, meus lábios tremiam de frio e respiro fundo quando estou dentro da casa, sem me molhar.
_ Vem, você pode usar meu banheiro, a água é mais quente do que o do outro banheiro. _ Filipe aponta para a escada e eu o sigo, adentrando no mesmo quarto que dormi no meu aniversário.
_ O-obrigada.
_ Não tem o que agradecer não, foi vacilo da Mariana. Pode ir tomando banho, vou ver se acho umas roupas quentes pra tu.
Sorri e entrei no cômodo espaçoso, ao ligar o chuveiro o vapor sobe mostrando o quão quente a água estava. Gemo baixinho quando sinto o calor entrar em contato com a minha pele gélida, passo alguns minutos ali até alguém bater na porta.
_ Vem pegar tua roupa aqui ó. _ Ele grita do lado de fora.
Caminho pelo banheiro até abrir uma brecha da porta, apenas o suficiente para ele me entregar um conjunto de moletom e uma toalha. Me sinto indefesa na casa de um homem quase desconhecido e com a fama que ele tem, ainda mais ele já tendo me ameaçado de morte... onde meu pai veio me meter?
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Choque De Realidade • R E T
RomanceFilipe Ret, ou somente Ret. Quem era ele? O comandante do Morro Do Sabiá, um dos maiores da grande SP. Famoso por ser impiedoso e manter sempre sua postura, Ret era temido e respeitado, na mesma proporção. Isabelly Ricci, a Bel era uma estudante d...