É aula de Química.
Ele deveria estar em sala - realmente deveria - considerando que o período de avaliações está logo ali e é o último ano e ele meio que precisa muito da nota, portanto, ao que ele caminha afoito até a quadra de cabeça baixa e o capuz cobrindo parte do rosto feito um perdedor, todo braços e pernas, há esse constrangimento persistente ardendo bem na garganta que o deixa ligeiramente paranóico e ofegante, embora a hiperconsciência do F iminente não seja motivação suficiente a ponto de fazê-lo voltar. Não mesmo.
Na impetuosidade de sua juventude tudo é rapidamente empurrado para debaixo do tapete ao chegar nas arquibancadas, no entanto, porque Louis está lá. Bebendo café e fumando seu cigarro, com a luz do sol se derramando nele, um livro no colo - Sartre, ele supõe pela capa - e aquele casaco igual ao de Oscar Wilde, aparenta não se dar conta da presença embaraçosa de Harry ao seu lado.
"Tenho um copo pra você", Louis anuncia de repente e o encara, com um sorriso de lado que sempre faz parecer que ele guarda um segredo, o que pode ser, no mínimo, bastante intimidador. "Milkshake."
É uma das manhãs que ele se sente generoso, então.
Harry quase vibra com os pedacinhos congelados de morango na língua, "Uau, valeu."
É difícil apontar o exato momento que isso começou entre eles.
Com uma mão do destino, talvez, Harry, que havia saído para fumar um baseado escondido durante o intervalo, encontrou Louis deitado sobre a arquibancada dos fundos num evidente estupor alcoólico. Ele tinha olhos cansados, enterrados no fundo das órbitas, pálpebras pesadas e contraídas até que sua face tencionou em vago reconhecimento, forçando-o a se recompor. Harry não pensou muito quando ofereceu a ele um trago e empenhou-se a ouvir atentamente Louis questionar sem parar a origem da existência e a materialidade da alma (noutra ocasião, ele revelaria estar louco de ácido), sangrando sua própria solidão enquanto o menino temia a excitação florescendo no estômago por aquele completo desconhecido que tinha saído direto de seus sonhos, com aquelas costeletas estilo anos 70, usando miçangas no pescoço e a calça boca de sino com listras feito uma maldita estrela do rock, às nove de uma terça cinzenta.
E, bem, foi natural aquilo se repetindo nas semanas seguintes num acordo silencioso, Harry sacrificando seu boletim impecável pelo filho esquisitão da diretora, esgueirando-se em qualquer oportunidade só para transar no laboratório desativado do quarto andar, retornando com o cabelo desgrenhado e marcas por todo lugar; marcas que ele exibe orgulhosamente, pois assim como os desenhos com rastros de psicodelia que Louis rabisca em seu caderno quando entediado (junto de poemas particularmente coléricos), elas também são um tipo de manifestação artística divina e ele é mesmo uma puta por servir de tela nas mãos sábias do homem dele.
"Não vai me perguntar?"
Há uma pausa.
Harry se esforça um pouco, o cenho inteiro franze em tentativa, os cachos cor de chocolate caindo e tocando as bochechas rosadas, "Por que está sem óculos?"
"Não gosto que os óculos, um objeto sem vida, sejam uma extensão do meu corpo. Antes, era desconfortável não enxergar, daí descobri uma certa paz em ver sem nitidez, como se eu estivesse num quadro de Monet. Vejo beleza na imprecisão das formas", ele encerra e lança um olhar arrogante na direção de Harry, com o cigarro entre os dedos esqueléticos queimando forte demais pelo sopro do vento. "Mas não é sobre isso. Estou falando do meu bom humor."
"Esse é um dos seus testes? Porque eu não quero encorajar outro extenso monólogo seu sobre a minha superficialidade e a efemeridade das emoções. Não é mais sexy - tipo, sério, nunca mais vou ter uma ereção se você fizer isso de novo."
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SUICIDET91: ONE-SHOTS
FanfictionUma coletânea das obras de capítulo único da suicidet91.