Uma vez, Mile disse para Apo que ele precisava tentar manter a calma na hora da apresentação, porque os jurados não poderiam perceber a tensão em seu corpo. Aquilo não seria bom para a sua imagem, quem sabe até perdesse alguns pontos já que os passos não seriam executados perfeitamente. Mas agora Mile estava fazendo exatamente o oposto do que disse para o outro patinador. Depois de tantos acontecimentos, um atrás do outro, ele não estava sendo a pessoa mais focada do mundo.
Mile entrou na pista de gelo sentindo as mãos suarem. Ele as limpou na calça e fechou os olhos por um segundo para respirar com calma e tentar mais uma vez se concentrar na coreografia, relembrando cada salto e giro importante que precisava dar para impressionar os jurados e garantir uma boa pontuação. Ele se posicionou no meio do rinque, na pose para começar, apenas esperando que La Terre Vue Du Ciel do Armand Amar soasse. O ritmo que escolheu era calmo, perfeito para a ocasião para que pudesse relaxar em meio a dança. Depois de todas as discussões, de Bible, do problema com o pai e a preocupação com Apo, não estava com cabeça para dar muito de si ali. Estava decepcionado.
Os primeiros movimentos foram certeiros. Leves, devagar, acompanhando a música no fundo. Era um programa original, impressionando quem assistia pela ótima conexão entre saltos, transições e giros. As suas habilidades de patinação estavam cada dia melhores, era como se quando estivesse no gelo, fizesse parte dele. Mile podia sentir todos olharem para si com atenção, porque ele era um patinador conhecido que já competiu muitas vezes e ganhou o primeiro lugar quando achava que não conseguiria. Ele tinha a admiração de quem quer que fosse assisti-lo, mas nem mesmo aquilo importava para que fizesse o seu melhor naquele dia.
Foi a primeira vez que escorregou no rinque na frente de outras pessoas enquanto executava uma sequência de saltos. A primeira, em toda a sua vida. Ele errou alguns passos quando era criança, caía nos treinos enquanto arriscava novos movimentos, mas Mile só levava para o rinque o que tinha certeza do que treinou o suficiente e incansavelmente para que tivesse segurança na execução. Era conhecido justamente por nunca dar um passo em falso, nunca esquecer a coreografia, nunca errar um movimento, nunca cair ou escorregar nas competições. E agora, aconteceu. Um dos saltos iniciou perfeitamente, como todos os seus movimentos. Ele conseguiu altura o para dar as voltas que queria, mas na hora do pouso se desequilibrou e quase houve uma queda. Mile continuou patinando mesmo assim, sentindo o coração bater forte ao ponto de deixá-lo com a respiração desregulada. Agora as pessoas o olhavam não com entusiasmo, mas com um outro sentimento que ele não gostou nada, nada.
Os últimos segundos da música tocaram e ele finalizou lindamente, não conseguindo sorrir quando o público o aplaudiu. Olhou de relance para os jurados, os olhares de decepção ali. Queria ir embora sem saber a sua nota e a sua classificação, e o mais importante, sem se despedir dos amigos. Não queria ficar e ver o desapontamento no rosto de ninguém. Mas claro que, assim que ele saiu do gelo, o seu pai o segurou pelo braço e o puxou para longe de onde estavam. No geral, Mile não sentia medo de Chris, porque ele nunca deu motivos. Era grosso, Mile não podia negar, mas Chris não era violento. Ainda assim, patinação artística era uma coisa tão importante na vida dele, que Mile temeu do que o seu pai seria capaz de fazer depois de vê-lo cometer um erro pela primeira vez em frente aos jurados.
— Depois de todo esse tempo... — ele começou. Mile estava sentado em um banco em sua frente, tirando os patins. Se sentia péssimo como nunca. — São anos patinando, não são semanas, E você nunca errou um salto, por mais difícil que fosse, nunca sequer escorregou. Nenhum deslize durante todo esse tempo. Agora acontece isso? Por quê?
O que Mile queria, de verdade, era ouvir de Chris que, apesar da falha, ele patinou bem. Quem sabe ficasse em terceiro lugar porque ele ainda era o melhor de todos os patinadores ali. Mas Chris não diria nenhuma palavra de apoio para fazer o filho se sentir melhor, aquilo não era do seu feitio.
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Quebrando o Gelo
Hayran KurguSe na infância, alguém perguntasse para Mile ou Apo, qual era o seu grande sonho, certamente ouviria que era ser o melhor patinador do mundo e ir às olimpíadas. No mundo da patinação artística, além da grande concorrência e da enorme pressão que col...