Fome. Tô morrendo de fome. Não aguento mais andar nesse sol. E fazer isso com fome, carregando uma sacola de roupas não ajuda muito. Chegou o grande dia e dane-se, só quero comer. A fome me impede de pensar direito, por isso nem estou tão preocupado. Eu poderia ter comido mais pão no café da manhã se não tivesse que ajudar a cuidar dos meus três irmãos mais novos enquanto mamãe ia substituir meu pai, que ficou doente, na horta.
Agora acho que vou morrer nesse sol antes mesmo de chegar no ônibus. Não que isso seja tão ruim assim, provavelmente só adiantaria minha morte inevitável. Talvez fosse até uma benção.
— Ei, garoto. — Um senhor me chama em uma das cabanas da feira.
Forço meus pés cansados e vou até ele.
— Toma isso. — Ele me entrega uma banana.
Encaro o cara sem esconder meu espanto. Somos todos plebeus nesse bairro destruído, ninguém tem o privilégio de sair oferecendo comida para os outros.
— Cê tá indo pros desafios mortais, né? — Ele me pergunta. Desafios mortais, é como chamamos o tal Exame por aqui, um evento malígno que acontece todo ano, arrastando jovens com dezoito anos de todas as castas para passar doze meses realizando missões estupidamente perigosas.
— Tô sim. — Respondo sem disfarçar o cansaço, devo estar andando nesse sol faz horas. Minhas pernas tremem de fome e exaustão, mas ainda assim quero saber o que ele quer comigo.
— Minha filha foi pra esse inferno ano passado. — Ele faz uma pausa para olhar para o céu cinzento de poluição das fábricas, como se fosse encontrar a garota num ambiente tão feio. — Não se esqueça, sobreviver é mais importante do que tentar vencer. — Algo em seu olhar sombrio me diz que sua filha não seguiu esse conselho.
— Sim, senhor.
Queria ter coragem para dizer que sua filha não tinha culpa, a vitória é muito tentadora. Quem vence todos os doze desafios eleva de casta e ganha bastante dinheiro. Eu poderia salvar toda a minha família. Não seríamos nobres, mas burguesia com grana seria o suficiente para nós. Só que eu não sou otário de acreditar que posso vencer, nenhum plebeu jamais conseguiu ganhar.
— Só os ricos vencem essa coisa, sabe por quê? — O senhor diz como se lesse meus pensamentos.
— Eles trapaceiam? — Respondo, me lembrando do escândalo que explodiu esses dias. As câmeras, que não faltam no Exame, pegaram milhares de nobres trapaceando ano passado, algo que não é novidade. Só que dessa vez meia dúzia da elite burguesa, furiosa por não ter títulos que garantem desemprego remunerado, os expôs para o mundo.
— Isso. Vê se toma cuidado, moleque. Pra eles é um esporte pra mostrar poder, pra nois é obrigatório e uma cova garantida.
Concordo com a cabeça e volto a andar no mormaço torturante dessa cidade. Como desesperadamente a banana em menos de um minuto. As pessoas nas ruas não disfarçam sua pena por mim e outros moleques que andam em direção à morte.
***
Finalmente chego no ponto de ônibus do Exame. Outros vários coitados da minha idade esperam comigo pelo nosso, um grande e chique perto dos da cidade, mandado pelos organizadores doentes do Exame, que contrasta com as cinzas desse resto de cidade. Torço para ele nunca chegar e sei que todos aqui fazem o mesmo.
Mas ele chega.

VOCÊ ESTÁ LENDO
O Exame
General FictionEm todo o planeta, em cada país, todo jovem ao dezoito anos completar, deve o Exame realizar. O mundo é dividido por castas, as quais podem ser elevadas, com a rara vitória nos tãos temidos jogos em massas. Doze provas. Doze meses. Quem sobrevi...