Ainda me lembro exatamente o dia em que fui “dada” a Raul, tinha apenas 6 anos e mesmo com muito esforço não me lembro de como eram os rostos dos meus pais, apenas o formato dos corpos deles, meu pai tinha entrado levado a gente em um passeio falando que teria uma surpresa para mim depois, e parou na frente da casa daquele crápula falando que era apenas uma parada rápida e que já íamos voltar para nossa aventura, eu e minha mãe ficamos do lado de fora, a jovem Kira ficou brincando com um velho boneco de pano de um piloto de um filme que seus pais gostavam, ainda tinha esse bonequinho até hoje, um pouco mais desgastado mas ainda vivo, e minha mãe ficou um pouco mais afastada e olhava de um lado a outro a cada 2 minutos, roendo as unhas e andando de um lado a outro.
Um bom tempo depois meu pai saiu e me abraçou forte beijando minha testa com carrinho e minha mãe apenas deu um tchau de longe com lágrimas nos olhos, depois de anos percebi que se ela me abraçasse desabaria, eu não estava entendendo nada com a reação deles, tentei os seguir perguntando o que estava acontecendo e peguei a mão da minha mãe, como se eu estivesse pegando fogo tirou minha mão da dela e se virou para meu pai acenando com a cabeça para ele e saíram em disparada para a rua que estava tendo uma feira livre e se juntando na multidão, comecei a me desesperar quando o homem até aquele momento sem nome me puxou para longe deles falou em meu ouvido “Você é minha agora lobinha”.
Chorando, gritando e me debatendo tentei sair do aperto dele mais foi em vão, como último recurso mordi sua mão o fazendo gritar e me soltar, escapando de suas mãos nojentas fui correndo em direção onde meus pais tinham ido mais antes de eu conseguir virar a esquina senti uma pancada forte na lateral da cabeça e desmaiei.
Quando acordei e estava ainda em minha pele selvagem, normalmente quando um licantrope está em perigo e desacordado sua parte selvagem como um meio de defesa se transforma, percebi que estava presa por a uma coleira apertada demais que não me deixava respirar direito, morrendo de dor de cabeça tentei sair daquela coisa maldita, mas Raul deve ter escutado minhas tentativas e apareceu com um sorriso no rosto por me ver desse jeito, rosnei para ele instintivamente me preparando para ataca-lo e em troca tomei um tapa forte no focinho, em retribuição o mordi com toda a força que tinha. O que o fez gritar diversos xingamentos, afundei ainda mais os dentes no braço dele quando senti o gosto de sangue e comecei a balançar a cabeça de um lado para o outro para fazer o máximo de estrago possível.
Apenas o larguei quando um de seus “amigos” apareceu e pisou na coleira me sufocando, o homem que descobri se chamar Raul Banks ficou uma semana sumido e voltou com o braço todo enfaixado, mas com um sorriso no rosto esfregando em meu focinho (não conseguia me transformar de volta com medo do que poderia acontecer comigo se ficasse em um corpo vulnerável sem garras e dentes pontudos) uma certidão de adoção com meu nome e falou que meus pais tinham me vendido e foi a melhor compra que ele já fez na vida e que eu aprenderia a obedecer ele com o tempo e por ser tão malcriada ficaria um mês amarrada e sem comida nem água.
Depois desse primeiro mês fiquei mais umas quatro vezes amarrada na coleira até fazer 8 anos e conseguir controlar minha transformação e o parar de o atacar em forma de defesa, mesmo me controlando ele ainda me obrigou a usar a coleira e ainda a sinto apertar até agora, com isso acabei pegando trauma e apenas fui me transformar de novo quando estava fugindo – falo coçando meu pescoço – Raul ganhava dinheiro do governo pela minha alimentação, quase nula, e estudos mais ele alegou que eu era um risco para as outras crianças e teria que ser ensinada em casa, ele não se preocupava com meu bem estar coisa nenhuma, só queria esconder as marcas de surra que ele tinha o prazer de deixar a cada meia hora, por minha cicatrização mais rápida.
Quando tinha 9 anos ele chegou com outra menina, seu nome era Marisol e tinha pelo menos uns 4 quando chegou, ela estava subnutrida e muito pequena para a idade dela, sentindo um pouco de pena da menina eu comecei a cuidar dela como se fosse minha irmã, acho que o instinto de cuidar sempre este presente, aos poucos ela foi crescendo e a cada ano pelo menos Raul pegava mais uma para conseguir dinheiro, algumas eram humanas, mas a grande maioria era pequenas feiticeiras que foram vendidas por suas mães para esconder alguma traição, escutei isso uma vez enquanto Raul estava bêbado e guardei essa informação.
Ele chegou a pegar alguns meninos, mas os mandava embora rápido com medo de serem uma ameaça, teve uma vez que ele pegou um menininho de uns 4 meses também licantrope, ele era a coisa mais linda com cabelinhos marrom avermelhado e bochechinhas rosadas e gordinhas, mas logo se livrou dele quando percebeu que eu estava me apegando demais e estava atrasando todo meu trabalho. Como eu era mais velha de todas tinha que cuidar das meninas, dar comida, ensinar a materia da escola e tive que me virar para ensinar magia a elas, Raul não era tão burro de pegar criancas com poderes e não ter livros de feiticos para as controlar.
Na oficina mecânica que ele era dono, eu era de tudo, a recepcionista, atendente, mecânico e cobrador. Não sei quantas vezes caí na cama exausta com essa rotina depois de apanhar de Raul por alguma menina ter feito bagunça ou por eu ter dado uma surra em algum cliente engraçadinho que tentou passar a mão na minha bunda enquanto eu pegava a peça que ele precisava.
Normalmente mesmo extremamente exausta ainda tinha pesadelos ou insônia então era comum eu andar pela casa de madrugada e foi fazendo isso uma semana antes do meu aniversário de 20 em uma dessas rondas noturnas, meu instinto insistia que eu deveria observar os arredores da casa para proteção das meninas, quando escutei as vozes elevadas de Raul e seus amigos que toda a semana vinham para cá enchiam a cara e ficavam a noite inteira berrando uns com os outros, minha paranoia com eles me fazia trancar todas as portas dos quartos para que nenhum deles pudesse mexer com as menores, já tinha escutado eles falando de quão bonitas elas eram e não iria deixar que o quer que eles estivessem pensando acontecesse, a cada vez que eu sabia que eles estariam aqui eu colocava as menores para dormir mais cedo, elas só tinham 5 anos e o brilho do olhar delas me fazia ficar superprotetora.
A casa tinha meninas de todas as idades Marisol era a segunda mais velha e tinha 16, Larissa e Raquel tinham 11, e eram poços de energia caótica, muitas vezes eu apanhava para elas não sofrerem, elas estavam atualmente na fase emo e pintavam seus cabelos loiros de cores novas e chamativas a cada semana. Juliana, Rosa e Alessandra eram as mais novas e tinham chegado no começo desse ano, estranhamente elas eram trigêmeas, uma coisa extremamente rara para os feiticeiros que tinham que lutar muito para ter apenas um filho, todas estavam de acordo que tínhamos que fazer o nosso melhor para cuidar delas. Elas tinham uma beleza rara e quase inesquecível, todas as feiticeiras tinham alguma marca na pele que se assemelhava a um desenho, antigamente as pessoas achavam que era a marca de sua alma gêmea, mas depois de muitos livros de magia e ter que explicar 6 vezes feitiços que eu não fazia ideia de como fazer, acabei aprendendo que essas marcas era de magia e feitiços que a feiticeira tinha mais facilidade ou já sabia fazer instintivamente.
Quando estava subindo as escadas consegui escutar a voz de Javier, ele era dono de uma casa noturna que raptava as meninas para lá se elas estivessem no local errado e na hora errada, ele também era conhecido de dar trabalho para as mulheres que chegavam ao México ilegalmente, mas elas era quase escravas e nunca poderiam nem pensar em ligar para a família.
- Banks você poderia me vender àquela lobinha que você tem, pode colocar qualquer preço, sei que poderíamos ganhar uma boa grana com ela e tenho certeza que muitos pagariam uma nota preta pela chance de tirar a virgindade dela – fala Javier dando uma risada que me deu arrepios.
- Apenas se 15% dos lucros dela vierem para mim – retrucou Raul certamente mascando o chiclete nojento dele.
Depois de ouvir isso subi o mais silenciosamente possível para o quarto que eu dividia com Marisol, e comecei a juntar minhas coisas, deixei uma carta explicando tudo o que estava acontecendo e como ela deveria cuidar das meninas de agora em diante, todos os pontos específicos de como eu organizava os coisas das menores e me desculpando por fugir tão abruptamente e pulei pela janela. A casa não era grande mais tinha 2 andares e graças aos Deuses lobos sabem cair senão teria ferrado com meu tornozelo aquele dia, morávamos no subúrbio de Oaxaca no México e estava perto de algumas montanhas então seria mais fácil ir por ali onde não conseguiriam me rastrear do que pegar um ônibus, até porque eu não tinha dinheiro suficiente para isso.
Nunca tinha sentido tanto frio quanto a primeira vez que pisei na neve, mas logo acostumei e consegui minha primeira caça de toda a minha vida, era apenas um coelho muito pequeno, mas ajudou a passar aqueles dias até eu conseguir chegar à fronteira dos Estados Unidos. Fui um pouco complicado passar pela fronteira mais ninguém se importou com um “coiote desnutrido” como eu parecia, meu pêlo castanho dava a aparência de coiote e as manchas pretas ao redor das patas, orelhas e flanco me davam a proteção extra que eu precisava para passar.
Fiquei andando como humana de dia e correndo como lobo de noite, para achar comida nas cidades era um pouco mais difícil, mas como já estava acostumada com a fome, Raul não comprava comida o suficiente para todas, então eu passava fome por alguns dias até ele ir ao mercado de novo. Com o pouco dinheiro que eu tinha economizado não pegando qualquer meio de transporte, conseguir comprar um bolinho recheado no dia do meu aniversário em uma mercearia e cantei parabéns sozinha enquanto passava por um bairro meio perigoso, tentaram me roubar umas cinco vezes mais rosnei e mostrei as garras e eles saíram correndo, ver um lobo andando sozinho era muito raro, até hoje tento entender como o governo me deixou com aquele ogro sabendo que ele era um humano.
Cinco matilhas vieram atrás de mim quando estava passando pelo território deles, apenas três foram violentas, duas delas eu consegui escapar por um fio sem arranhões ou mordidas, a última acabei levando alguns arranhões no flanco depois que sem querer passar por uma reserva estadual onde eles estavam caçando e vieram atrás de mim por causa disso.
A matilha era bem pequena para os padrões com apenas cinco membros e apenas dois me perseguiram ativamente os outros apenas ficaram uivando e se esfregando nas árvores depois de sentirem meu cheiro, eu sei que isso é um instinto territorial mas para mim faria mais sentido se começarem a fazer isso depois que eu fosse embora em definitivo.
Quando eu vi que estava com problemas comecei a correr como se não houvesse amanhã, por um pequeno milagre eu ainda estava transformada e conseguiria correr mais rápido do que no corpo humano, e assim não haveria risco de acabar me machucando gravemente, os dois que perseguiram não eram tão rápidos, mas compensaram sabendo o terreno, o que conseguiu chegar mais perto tinha um pêlo amarelo acastanhado o que dava a impressão que seu pelo estava sujo e o segundo não poderia ter mais do que 10 anos, o padrão de crescimento de um lobo era bem específico e de bater o olho sabíamos quantos anos o filhote tem.
Sabia que os dois eram machos e que teoricamente são os mais fortes da família para proteger o território mais o menino tinha algum problema na pata dianteira, pois ele mancava muito e também tinha os olhos enevoados como se tivesse um começo de catarata, o que era realmente estranho para nossa espécie, mas não ficaria por perto para saber mais sobre a condição dele. Depois do macho mais velho consegui por sorte morder meu rabo e com isso me fazer perder o equilíbrio enquanto mordia meus calcanhares.
Como forma de proteção eu me contorci e acabei conseguindo morder suas costelas o que fez ele recuar com a dor e finalmente me dar espaço para fugir. Com esse ataque as coisas ficaram um pouco mais lentas no meu caminho, pois com a cura acelerada os arranhões e mordidas sumiram depois de algumas horas mais a dor continuava e fiquei mancando por mais três dias enquanto eu me arrastava pelas ruas rezando para que ninguém perguntasse se eu precisava de ajuda e me levar para um hospital.
Demorei um mês depois de fugir para chegar à fronteira do Canadá, essa foi um pouco mais complicada, e ainda consigo lembrar exatamente do barulho de tiros dos caçadores locais, um até pegou de raspão, depois de caçar, ainda com dificuldade, fui andando até a próxima cidade grande onde encontrei um velhinho que vendia jornais e ele parecia saber o que eu era e me deu a dica de vir aqui, ele falou que eu estaria segura, acabei seguindo o conselho dele chegando pela tarde e resolvi descansar por ter ficado pelo menos uns três dias acordada andando sem descanso com medo de alguma outra matilha me achar e atacar, sabia que o território até a fronteira era da última família que eu tive contato então sabia com quem eu estava me metendo.
Achei uma toca em um vinco entre duas pedras grandes e me acomodei pensando que quando acordasse poderia sair da minha pele de lobo e talvez procurar um emprego, já estava muito longe de Raul e com certeza ele vai demorar para me rastrear mesmo com Marisol fazendo magia de rastreamento, esse feitiço foi um que Raul mais me incomodou para ensinar, consistia basicamente em pegar algum pertence da pessoa, colocar em cima de um mapa e usar algumas gotas do sangue do feiticeiro enquanto ele conjura um feitiço de localização, o sangue se muda lentamente para onde a pessoa passou pela última vez, com muito esforço consegui encobrir meus passos pelo caminho, o feitiço tinha uma falha, ele só encontraria a pessoa se ela ficasse mais de 1 dia no lugar, se ela se manter-se sempre em movimento não tinha como Raul fazer nada.
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Pakke
General FictionKira é uma licantrope sem matilha que fugiu de casa após algumas coisas darem errado. Correndo o enorme risco de ser atacada por alcateias já estabelecidas ela sai mundo a fora tentando encontrar onde pertence, depois de alguns problemas ao longo do...