1
Em meados dos anos 30, a cidade onde Selma morava não oferecia muita perspectiva de vida fora do habitual. Típica cidade de interior, onde existem mais igrejas e botecos do que qualquer outra coisa.
— Aqui você pode ser batateira ou então trabalhar na prefeitura — dizia a mãe de Selma.
O solo da cidade onde a família de Selma morava tinha algo que fazia com que as batatas fossem maiores e melhores do que as batatas de outras cidades, então isso poderia render uma profissão razoável, que poderia lhe render dinheiro suficiente para sobreviver, e somente isso.
Enquanto folheava revistas e jornais vindas da capital, Selma sabia que se tivesse a oportunidade de um dia ir para Curitiba tentar a vida, conseguiria ter algo mais que o "suficiente".
Mas como ela poderia fazer para ir à capital, sendo que mal tinha dinheiro para as coisas básicas do dia-a-dia, como comida e higiene? Além do mais, uma mulher só podia sair da casa dos pais, se estivesse saindo com um marido, para formar uma família. Ir para a capital era um sonho muito distante, quase inatingível.
2
Ainda era noite quando os galos começaram a cantar na pequena cidade. Era como o despertador da população, indicando que o dia estava amanhecendo, e o trabalho estava esperando.
Selma levantou sem demora, pôs seu par de chinelos já surrados de tanto uso, e um vestido florido que havia ganhado há alguns natais passados. Foi a cozinha e começou a ferver a água para fazer um café.
Logo em seguida ouviu um barulho vindo do quarto de seus pais. Era fácil saber quando alguém se mexia naquela casa, pois as madeiras do piso rangiam à qualquer movimento. Eram seus pais se levantando também, para começar a jornada de trabalho do dia.
Após deixar o café pronto na mesa, Selma tirou de um armário uma grande broa de milho, feita no dia anterior, cortou um pedaço e comeu com pressa.
Tomou uma xícara de café, sem adoçar, para que o amargor a acordasse. E então aguardou para que seus pais terminassem de se arrumar para irem ao campo.
A rotina iniciava muito cedo, porque eles deviam colher todas as batatas a tempo do caminhoneiro chegar, comprá-las e depois ir vendê-las em outra cidade.
Enquanto Selma ia colhendo as batatas, e colocando-as em um grande saco, teve uma idéia que mudaria o rumo de sua vida para sempre. Selma decidiu que falaria com o caminhoneiro, para que ele a levasse escondida para a capital.
Ela sabia que ele passava toda semana na capital para vender algumas batatas para os comerciantes de lá. Então a única coisa que ela precisava fazer é convencê-lo a levá-la escondida de seus pais.
Mas, afinal, será que ele realmente precisa saber que ela está indo escondida? E se ela inventasse alguma história, que precisava ir à cidade à pedido de seus pais? Talvez fosse esse o caminho.
Com o roteiro já feito em sua cabeça, Selma aguardou a chegada do caminhoneiro ansiosa para ver se ele iria cair na história. Era a única alternativa possível para que ela pudesse ir à cidade.
Algumas horas depois, com toda a colheita ensacada, o caminhoneiro chegou. E Selma, como todos os dias, esperou ele sozinha, enquanto seus pais iam para casa fazer o almoço.
Era um caminhão velho, daqueles que quando estragasse qualquer peça, sairia mais em conta abandoná-lo na beira da estrada. E o caminhoneiro era o reflexo de seu caminhão. Era como se o homem estivesse sendo conservado à base de cigarros e cachaça barata.
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Elas
Storie d'amoreO livro "Elas" conta a história de Erick e Melissa, uma garota que sofre de TDI (Transtorno Dissociativo de Identidade). Essa história é contada por Marcus, um estudante de psicologia que pretende fazer um TCC sobre o TDI. Durante a história o leito...