Conto: Enquanto não é tarde

98 2 2
                                    

— Você não pode ignorar a existência de seus problemas e ficar escutando Paramore o dia inteiro, Coral.

E ainda dizem que os irmãos mais velhos são aqueles que mais sabem das coisas, bem, não era o caso na relação de Coral e Aurora, sua irmã mais nova. Coral tinha 100% de certeza que a mais nova era infinitamente mais sábia que ela em certos momentos, embora não tivesse ideia de como isso acontecia.

— Ah, eu posso sim, claro que posso! — Murmurou frustrada ao jogar um ursinho de pelúcia na irmã, que desviou de imediato, para sua tristeza. — Vamos lá, me dê uma sugestão melhor de como resolver essa situação, estou esperando.

— Já experimentou, sei lá, conversar? Não é como se isso tivesse acontecido entre duas estranhas, por favor!

— Você diz isso porque não está na idade de beber e cometer loucuras das quais vai se arrepender amargamente no dia seguinte, acredite, não é tão simples assim.

Coral enterrou seu rosto no travesseiro, desejando que pudesse enterrar junto as memórias da noite passada que tanto a assombravam. Esse era o problema de ter sido uma adolescente tão certinha e sem nenhuma vivência para contar história, agora na vida adulta tinha fortes tendências de agir sem medir suas consequências, como se tivesse 15 anos novamente. Ela podia colocar a culpa nos shots de tequila, na pressão dos amigos ao seu redor e na energia caótica daquela festa em si, mas nada pode anular o fato de que ela sonhava com aqueles lábios de cereja desde o primeiro semestre da faculdade.

— Coral, se você soubesse como são as festas dos meus amigos... Certamente não diria uma bobagem dessas — Aurora se sentou na ponta da cama e respirou fundo, buscando manter a paciência — Vamos lá, faz cerca de quarenta minutos que você está surtando por causa de um beijo e isso é tudo o que eu sei da história até agora. Mas é a minha vez de ser sincera, quando eu dizia que essa garota mexia com você muito mais do que sua teimosia deixa a senhorita admitir, eu era quase ameaçada de morte. Será que eu estava tão errada assim? Hum, eu acho que não.

Aurora queria que Coral visse o quão triunfante era o sorriso em seu rosto, característica marcante de todas as vezes que derrubava os argumentos da irmã mais velha e conseguia provar seu ponto, mas ela ainda estava muito ocupada afogando suas mágoas no cetim cor de rosa do travesseiro. Somente alguns minutos depois a rainha do drama decidiu se recuperar, ainda que parcialmente, para encará-la:

— Eu vou contar a história toda, mas se você me encher muito o saco eu conto pra mamãe que seu "trabalho da escola" de sábado agora é na verdade uma festa na casa do seu amigo.

— É claro, a verdade sempre te assusta, né? — A mais nova riu baixinho, pressionando seus lábios logo depois — Está bem, é justo, temos um acordo. Agora anda logo, espero que valha a pena ter me acordado uma hora dessas.

3 horas antes

— Fazia tempo que eu não me divertia tanto assim! — Coral precisou elevar o tom de voz por conta da música alta — Sério, as bebidas são incríveis, só tem música boa tocando e todas essas pessoas aqui, você principalmente, é mágico demais!

— Eu te convido pra esse tipo de coisa desde o começo da faculdade, gatinha, você que raramente me escuta — Maya deu de ombros enquanto virava mais um shot de tequila que descia queimando por sua garganta, mas não pôde evitar sorrir com a euforia da amiga — Talvez você esteja bêbada e se arrependa de ter vindo amanhã, mas você merece se divertir um pouco! Olha só como essa é sua noite, tá até tocando Paramore.

— Ai, meu Deus! Eu amo essa música, vem dançar comigo.

O convite foi quase uma obrigação, visto que Coral mal acabou de falar e já estava arrastando a loira para a pista de dança como se sua vida realmente dependesse daquilo: dançar Paramore em uma balada de qualidade duvidosa ao lado de sua melhor amiga. "Still Into You" era uma das músicas favoritas da estudante de artes, que se havia dominado a pista de dança ao lado de Maya, que estava levemente mais sóbria do que a amiga mas não o suficiente para se incomodar com os olhares curiosos que julgavam o jeito desajeitado com que seus corpos se remexiam enquanto Coral tinha certeza de que havia se tornado a Hayley Williams com sua performance.

Enquanto não é tardeOnde histórias criam vida. Descubra agora