Akai realmente usava muita maquiagem.
Era necessário para seu trabalho, afinal, uma cortesã deveria ter a pele perfeita, branca e lisa como seda fina. Eram necessárias muitas camadas de pó para esconder por completo as cicatrizes.
No pequeno quarto, escassamente mobiliado, iluminado apenas pela luz fraca do lampião, Akai terminava de pintar sua pele branca, em preparação para o primeiro cliente da noite. Mesmo estando baixa na hierarquia pelos dez anos que trabalhou em Yoshiwara, Akai tinha uma considerável clientela. Não eram homens ricos, mas pagavam o suficiente; não é como se ela pudesse arriscar chamar a atenção de um homem poderoso, afinal, quanto mais distinto o cliente, mais popular você se torna. E Akai não podia se dar ao luxo de chamar atenção.
Olhando fixamente para o espelho, seu rosto completamente branco sob luz bruxuleante do lampião lembrava o de um fantasma. O cheiro do óleo queimando, a luz amarelada, a brancura da pele, tudo isso trazia-lhe uma sensação forte de nostalgia. O fantasma no espelho não era um fantasma qualquer, era o fantasma de seu próprio passado.
A classe das onna-bugeisha não existia mais. Essas memórias pertencem ao passado.
Mas as cicatrizes ainda estavam lá, não estavam?
Em transe, Akai se via novamente em suas noites de treinamento, especialmente em suas punições, tendo apenas a neve e o luar como companhia, repetindo o mesmo kata quantas vezes fossem necessárias, até a perfeição. Não havia espaço para falhas na família Kitagaki.
A nova era não foi gentil para com os Kitagaki, descendentes de uma longa linhagem de samurais, o declínio e a perseguição da classe já diminuta os atingiu como uma flecha no peito, todo seu legado jogado na lama. Mas não foi sem resistência que a família caiu. Ina Kitagaki, mãe de Akai e notável onna-bugeisha, não deixou de treinar suas filhas, mesmo com as restrições do novo império. Mas mesmo com sua corajosa resistência, Akai ainda acabou no distrito vermelho, então de que adiantou?
Passado seu estupor, Akai repousou seu pincel na mesa junto dos outros cosméticos, passando agora a pintar suas sobrancelhas, um trabalho meticuloso e preciso como o desembainhar da kaiken, um movimento errado poderia arruinar tudo. Seus olhos ganhavam tons de vermelho e preto como a terra ensanguentada de um campo de batalha. Tingindo seus lábios rubros, Akai via novamente o sangue de seus irmãos escorrendo pela fria lâmina inimiga.
Sua primeira — e última — batalha foi um completo massacre. Corpos desfigurados espalhados pelas planícies do campo de batalha, aqueles que não foram capturados prontos para cometer seppuku. Akai estava pronta para se juntar ao último grupo, mas sua lâmina foi subitamente arrancada de suas mãos por um soldado inimigo, um jovem, por volta dos dezessete anos, assim como ela. Akai nunca esqueceria aquele olhar, medo, pena e dor. Ela nunca soube o porquê, mas ele a capturou, escondeu e secretamente a trouxe para Tóquio, onde ela poderia começar uma nova vida. Mas ele se esqueceu de um detalhe, apenas Yoshiwara aceitaria pessoas sem passado como ela.
Muitos considerariam a decisão de Akai covarde, um samurai deve morrer como samurai. Uma Onna-bugeisha deve morrer como Onna-bugeisha. Mas Akai compreendia que enquanto ela continuasse viva, ainda haveria esperança. Contanto que ela continuasse viva, ela ainda seguiria seu destino.
— Onee-san, você já está pronta?
Suzu, antiga kamuro de Akai, perguntou por detrás da porta de papel.
— Quase, me ajude a colocar o obi?
Akai ouviu o som da porta abrir e fechar, Suzu entrou no quarto de cabeça baixa.
— Deixe-me ver, Suzu-chan — a jovem hesitou, mas levantou a cabeça deixando a mostra o olho roxo — um rosto tão bonito... que crueldade.
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Declínio - Conto
Historical FictionCom o início da Era Meiji, a classe dos samurais foi extinta e criminalizada. No entanto, em meio as muitas flores de Yoshiwara, algo diferente floresce. Não é amor, não é luxuria, é vingança. Anos como prostituta não fizeram com que Akai se esque...