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O garoto corria na calçada atrás da bola de futebol, que descia a ladeira desesperada para seguir as leis da física.
   Stephen Pole era um garotinho negro de doze anos de idade, cresceu na cidade de Youth, até onde consegue se lembrar. Um garoto estudioso, inteligente, de poucos amigos, e esse último fato não ajudou sua sorte nesta tarde de verão.
Ele estava jogando bola com seu amiguinho Zion, também de 12 anos de idade. Zion era um péssimo goleiro, mas Stephen acreditava em seu potencial e estava ajudando o amigo a treinar sua defesa. Ele sentou e esperou pacientemente na calçada enquanto Stephen corria atrás da bola. Eram 18:30 e o sol começava a baixar, e a lua a subir, num céu limpo e sem nuvens. Havia uma leve brisa, gostosa, geladinha, que não deixava o ar quente do verão abafar a atmosfera. E assim, Stephen saiu correndo ladeira abaixo com a brisa batendo em seu rosto, passando por seus cabelos crespos e refrescando seu couro cabeludo que não ousava suar com aquela sensação refrescante.
A bola desceu até o fim da rua, onde dava o início de uma estrada de barro, que logo se seguia de outra ladeira, essa, porém, também de barro, não era asfaltada ainda por fazer parte de um projeto de complexo de apartamentos em desenvolvimento ainda.
Essa parte baixa poderia ser caracterizada como um pântano, era plana e tinha mato alto por todo o chão, com uma mata que se estendia com vegetação rasteira de um dos lados. Um córrego corria por dentro de um anel de concreto abaixo do solo, que aparecia em cada lado da estrada. Árvores caídas, árvores inclinadas e árvores altas e baixas povoavam o local, dando pouca passagem pra luz do sol ali.
O ar fresco que era refrescante a certo ponto atrás, era gelado ali embaixo, e Stephen começou a sentir frio, e vontade de sair dali. Aquele local lhe causava medo, e dava vida aos seus piores medos. Era vazio, não havia casas ali pra baixo. As únicas moradias eram os apartamentos rua acima, algumas casas na ladeira atrás, e uma pequena cabana no meio da ladeira de barro, mas essa estava a metros de distância, e não dava pra ver ela por conta da elevação do solo, e pelas árvores em si. Era silencioso, o único som era o do córrego correndo e do coração de Stephen batendo. Que tipos de monstros terríveis podiam habitar ali? Só Deus saberia.
Ele andou em direção a bola que havia parado graças a uma pequena depressão no solo, que estava cheia de água da garoa da madrugada.
O sol havia baixado consideravelmente, e sua luz havia diminuído bastante, os grilos começaram a cantar, e o ar sinistro que havia ali começou a ficar mais pesado, causando uma sensação de urgência em Stephen, e uma vontade louca de sair correndo dali o mais depressa possível.
Quando ele abaixou pra pegar a bola, ouviu uma tosse, e seu corpo congelou. Ele sentiu um arrepio na ponta do dedão do pé, subir até a ponta do fio de cabelo mais alto de sua cabeça.
Quando ele olhou para o lado, em direção ao som, viu uma criança deitada na vegetação rasteira ao lado da estrada, perto da borda que dava uma queda para o pequeno córrego, que não era mais volumoso que um simples e pequeno riacho.
   A criança tossiu de novo. Stephen se levantou, e andou na direção dela com passos lentos e cautelosos. Era uma garota. Ao levantar, ele pôde ver os cabelos negros, sujos de lama, e com pedaços de folhas de árvores presas nele. Ela estava encolhida em posição fetal, usava um vestido rosa (quer dizer, era rosa, agora estava imundo por conta da lama) que estava rasgado em várias partes, mas não todo.
   Ele podia ver que ela estava chorando, as mãos estavam abraçando a barriga, como se ela estivesse com uma dor insuportável.
   Stephen se aproximou com sentimento de urgência e cautela, e se ajoelhou ao lado da garota no chão. O rosto dela também estava sujo de lama, tinha um pequeno machucado acima da sobrancelha que sangrava, e quando ela falou, sangue escorreu em um filete de sua boca, em direção ao chão.
  — M-m-me ajude, por favor, me a-ajude... - ela estava suplicando, a voz entrecortada porque ela ofegava, se esforçando pra falar. Sua voz estava fraca, saia do fundo de sua garganta secando e arranhando a fala.
   — O que aconteceu? Você quer eu chame seus pais? - Perguntou Stephen, alarmado, a garota realmente precisava de ajuda.
   — Eu não tenho pais - disse ela. Lágrimas escorriam de seus olhos e corriam por suas bochechas, limpando o caminho da lama por onde passavam, até caírem no chão. - Mas você pode me ajudar.
   — Como? Quer que eu vá buscar ajuda? Sou rápido, não vai demorar.
   — Eu vi que você é rápido, v-vi você correndo atrás da bola - ela olhou pro chão, depois pra ele novamente, e começou a chorar e soluçar. - E-eu est-tou assim, porque estou f-ficando VELHA!!!
   Stephen olhou pra ela, confuso. Era apenas uma garota, tinha, com certeza, a idade dele. Um ano a mais, um ano a menos, no máximo.
   — Você não parece velha, parece machucada. Olha, vou buscar ajuda, volto rápido com alguém aqui, e você vai ficar melhor. - Disse ele, solícito.
   Ele fez menção de se levantar, mas ela segurou o braço dele com uma força que não deixou que ele se movesse, ele olhou pra ela, assustado e confuso, ela disse, desesperada:
   — Não, p-pode, não pode! Estou ficando v-velha, por isso estou assim! Não consegue ver? O-olha, estou toda machucada! - ela levantou o vestido.
   Stephen virou o rosto, mas a vontade e a curiosidade de ver era maior. Ela tinha a pele clara, mas não tão clara, porém estava suja de lama, e havia cortes em sua barriga e pernas. Eram cortes pequenos, mas sangravam e não pareciam que iam fechar tão cedo. Ela usava uma calcinha amarela, e costurado na calcinha, havia um rosto sorridente, como se fosse um emoji.
   Ela baixou o vestido, e puxou Stephen pra baixo, que ficou de joelhos, ainda espantado com a força dela.
   — E-eu estou assim porque estou velha. E f-fico velha quando não como. Estou há muito tempo sem comer, s-sabe? Acha que pode me ajudar c-com isso? - perguntou ela, chorosa.
   — Você quer que eu busque comida? Na verdade, você pode jantar lá em casa, se quiser, Hoje mamãe vai fazer macarronada.
   Ele não havia percebido, mas naquela hora, o sol já havia se posto, e a luz do dia começava a se extinguir por completo, a escuridão tomando conta daquela parte do bairro como se fosse um timer.
   Ela sorriu. Não era um sorriso bonito. Os dentes eram amarelos e tortos, e num segundo de insanidade, ele pensou ter visto um deles se mexer e começar a adelgaçar. Ele sentiu pena dela.
   — Na v-verdade, eu me alimento de abraços. Eles m-me deixam jovem novamente, acredita n-nisso? Loucura, né? - ela olhava nos olhos dele, incisiva, esperançosa.
   Ele olhou pra ela com curiosidade, nunca havia falar naquilo. Quem se alimentava de abraços? Porém, ao mesmo tempo, ele pensou, por que não? É só um simples abraço.
   Ele começou a abaixar em direção a ela, abrindo os braços. Ela sorriu, e abriu os braços pra recebê-lo, e quando o fez, Stephen sentiu o calor do corpo dela se tornar gelado. Ela o prendeu no abraço e ele sentiu as mãos dela se tornarem garras em suas costas.
   Ela afundou as garras grossas e grandes nas costas dele, e apertou.
   Stephen, gritou, o sangue jorrou de suas costas quando ela afundou ainda mais as garras e agarrou as costelas dele, começando a puxa-las para fora.
   A dor era excruciante, ele se debatia, tentando se soltar, as pernas tremiam e se debatiam loucamente reagindo a dor lancinante que ele sentia. Quando olhou pra ela, o último vislumbre antes de morrer, ela estava sorrindo, um sorriso terrível. Os dentes eram milhares, pontiagudos, grandes e amarelos em duas fileiras dentro da boca. Os olhos eram negros e neles não haviam nada além de escuridão.
   Ele levantou o rosto tentando se afastar daquela visão, e foi nessa hora que ela abocanhou o pescoço dele e arrancou sua garganta.
Nesse momento ele parou de gritar, foi quando ela arrancou as costelas e vasculhou as costas dele, atrás daquilo que ela queria assim que o viu jogando bola naquela tarde ensolarada: o coração e a vitalidade dele.
Quando o encontrou, espetou-o com uma das garras e o jogou em sua boca, engolindo-o sem mastigar.
Ela empurrou ele de cima de si, e quando o que sobrou de Stephen Pole tombou no chão, a garota que levantou do chão já não estava suja, nem com machucados abertos e sangrando.
   Ela olhou pra cima, em direção a ladeira, e viu um garoto descendo a rua. Tinha os cabelos castanhos, a pele bronzeada, e parecia temeroso, ele estancou, ela percebeu que ele a viu e se virou.
   Ela seguiu andando em direção ao fundo da mata aberta ao lado da estrada de barro, e antes de realmente adentrar nas profundezas dela, já não era mais uma garota. Era um homem alto, forte, estava de terno e estava sorrindo. Ele ouviu gritos.

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⏰ Última atualização: Sep 19, 2022 ⏰

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