Capítulo único

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Meu corpo é apertado pela multidão que me afasta do Sam, ouço gritos e meus olhos fecham com os flashes que persistem em ficar no meu rosto. Meu amigo me encontra e conversamos algo, que eu não consigo entender, como se agisse no automático. E é assim que eu paro de ser mais uma na multidão e passo a fazer parte do centro dela. Ouço tiros, corro na direção de quem era mais que um herói para mim, abraço o seu corpo e passo minhas mãos sobre seus cabelos dourados, sujando-os de sangue. Eu choro, grito e Sam me puxa. Depois disso, mais nada.


Minha mente me leva até um momento que eu não entendo, estou segurando uma arma em uma das mãos e, na outra, tento tirar o sangue do meu uniforme que parece não sair, aos poucos o branco se torna vermelho e ouço vozes: "Sharon!" diz uma voz masculina desconhecida e aterrorizante. "Bom trabalho, loirinha." Me parabeniza uma voz feminina, mas isso não me deixa feliz. Em seguida, as vozes se misturam falando "lembre-se", e então, eu me lembro:


- O Capitão está sendo preso! - Algumas pessoas gritam no meio da multidão, outras filmam e outras xingam.


Eu estava muito mal com tudo o que estava acontecendo, queria fazer alguma coisa para impedir tudo aquilo, e é por isso que eu corro para perto dos policiais, pedindo passagem sem querer saber se me dariam ou não.


- Sharon! - Sam tenta falar mais alto que as pessoas ao meu redor, o que era impossível. - Não adianta!


- Me deixe, eu preciso me aproximar!


- Quer ser presa também? Não conseguiremos nada na cadeia!


Ele me puxa e eu consigo me desvencilhar, Sam grita e eu ignoro, correndo para os policiais à minha frente. Um deles tenta me conter, mas eu também consigo me desviar dele. As pessoas gritam para mim e, então, eu atiro.


Todas as noites são assim, durmo sem descansar, os remédios que a terapeuta me receitou de nada valem, já sei que ela vai aumentar a dosagem, e mesmo assim tudo vai ser do mesmo jeito: Eu choro escondido, fico sem dormir e, quando eu resolvo tomar banho e lavar o cabelo depois de dias, percebo que a ansiedade faz fios e mais fios dourados caírem no ralo. Tudo o que eu queria era recuperar o que perdi, mas me falaram que o controle mental é assim: Não recupera, porque nada é seu para recuperar. Mas, o que não era meu, estava comigo: Atirei em Steve Rogers.

(...)

Por muitas vezes, ouvir "eu te entendo" e "não foi culpa sua" é reconfortante, deveria ser. Mas, para mim, era pior do que me xingar e me comparar com o mais cruel dos seres humanos. Eu entendia por alto o inferno que é o controle mental, mas jamais imaginaria que algo assim aconteceria comigo. Não é como uma ameaça visível que você pode tomar cuidado, ele só vem e o seu mundo se vira do avesso, se é que ele existe. Minhas dores de cabeça eram por quem queria assumi-la, assim como o corpo que eu nem sabia se ainda era só meu. É devastador, triste e muito, muito assustador.


Meus amigos me apoiaram, mesmo que doesse para eles também. Haviam perdido um amigo pelas mãos de alguém que eles também poderiam perder. Natasha e Bucky me contaram suas experiências e eu chorei quando me disseram que algumas lembranças não voltam. Mas, no fundo, eu queria esquecer esse momento para sempre.


Pedi para voltar ao trabalho três dias depois, quando as dores de cabeça passaram. Não iria ficar parada sem fazer o que era certo pelo lado que eu sabia que estava certo na Guerra, foi quando vi que os heróis se uniram em respeito ao mais bravo dos soldados. Doeu. Não só pela perda, mas por ter sido o instrumento causador dela, ainda que indiretamente, mas fui. Meus amigos me falaram que as dores eram comuns no começo, assim como lapsos de memória e, claro, uma sensação grande de vazio.

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⏰ Última atualização: Aug 10, 2022 ⏰

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