Prólogo

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Eram seis da manhã quando Nora despertou ao som de uma chaleira fervendo e barulhos vindos da cozinha. Levantou-se depressa, calçou os seus pequenos sapatos e correu em direção ao alvoroço. Pelo canto da porta, observava sua mãe chorar em silêncio enquanto seu pai a golpeava com socos e tapas, a mancha vermelha que atravessava o rosto de Lydia revelava que aquilo havia começado bem antes da menina acordar.
     Ele certamente passara a noite em uma Taverna qualquer, bebendo e apostando o que nem mesmo possuía. Nora sabia disso, pois aquela não era a primeira vez que ela presenciava um momento como aquele.
- Pare! Não vê que a está machucando? - disse Nora adentrando o cômodo, segurando uma pequena estátua de porcelana.
    A mãe voltou o olhar para a garotinha loira de postura ereta, pânico percorreu  seu corpo ao vê-la ali naquele exato momento.
    - Está tudo bem, Nora. Volte para o quarto, mamãe levará um delicioso bolo de chocolate para você em instantes.
Apesar da pouca idade, as experiências mostraram a Nora que não estava nada bem e que não havia bolo algum, nunca havia. Ela reuniu toda a sua coragem e arremessou contra o homem uma pequena escultura de barro que trazia atrás de suas costas.
O grito proferido por ele foi estrondoso o suficiente para estremecer os ossos da menina, mas ela sabia que se ele gritara, foi porque sentira dor. Que bom, que sentira.
- Não gosto que bata nela - sussurrou a garota. Os pequenos olhos castanhos inundados em lágrimas que ela se esforçava com afinco para impedir que caíssem. Ela jamais o chamaria de pai novamente.
   Michael deixou a cozinha com uma das mãos sobre o braço,  não disse nada, mas olhou para as duas como se fizesse uma promessa silenciosa para as duas. Ele raramente falava com ela, ou com Peter, seu irmão caçula.
Lydia envolveu a filha em seus braços dizendo:
  - Me prometa que nunca mais irá fazer algo assim. - ela soluçava, sangue escorria pelo rosto da mulher.
  - Eu não posso. Mas lhe prometo, mamãe, um dia irei te proteger. Vou ficar forte e esperta. Você vai ver.
A bravura da garotinha levou Lydia a  esboçar um sorriso tímido, e Nora imediatamente percebeu que aquela era a primeira vez que a via sorrindo em muito tempo. Pelo menos uma delas ainda se dava o luxo de sonhar com coisas melhores.
  - Certo, minha guerreira. Mas até lá, fique fora disso.                                          
  Na tarde daquele mesmo dia, Nora foi ao encontro de seu melhor amigo Joe na residência que ficava há poucas casas de distância da sua.  Ela o conheceu em uma pequena ceia comunitária organizada pelos moradores da Vila em que moravam, ele havia roubado descaradamente metade dos bolinhos que Nora levara. Como precisava manter o espírito natalino, não teve outra escolha a não ser perdoá-lo, e assim se tornaram amigos. Desde então, não havia nada que Joe não fizesse em troca de bolinhos feitos por Nora.
   Joe era cinco anos mais velho que ela. O garoto estava com quinze anos de idade, a voz oscilava entre o grave e o agudo, os cabelos pretos sempre compridos, quase na altura dos ombros. Por mais que ela detestasse reconhecer, ele era sem dúvidas o rapaz mais bonito que ela já vira. Olhos azuis e um rosto de traços perfeitos, sobrancelhas um pouco grossas demais, mas que curiosamente combinavam com ele. Se fosse honesta consigo mesma, admitiria que sentia um orgulho imenso de estar frequentemente ao lado dele enquanto as moças sorriam com as bochechas rosadas ao vê-lo passar. Ele era filho de um general, e estava em treinamento para se tornar um soldado também.
Nora se sentou na poltrona de couro, com as mãos sobre os joelho magros e declarou:
  - Quero que me ensine o que você sabe sobre lutar.
Joe arqueou as sobrancelhas, incrédulo. Facilmente se passaria por um homem adulto com aquela postura.
   - Bom, não sei se posso fazer isso, Nora. Você é muito nova e não tem nem mesmo o físico adequado para que eu possa te ensinar.
   Ela estava determinada. Uma parte dela se alegrou com o fato de que em nenhum momento citou o fato de ser uma garota, mas de qualquer maneira, realmente tinha um físico medíocre.
O amigo não sabia das dificuldades enfrentadas por ela em sua própria casa. Embora todos soubessem que seu pai bebia muito, ninguém suspeitava de seu comportamento com relação à família.
   - Então me ajude a adquiri-lo! Não lhe pediria algo tão difícil se não fosse realmente necessário. - Nora sentiu um aperto no peito ao se lembrar daquela manhã.  -  Além disso, posso lhe fazer bolinhos. -  A menina estampou um sorriso meigo e começou a piscar freneticamente. 
Joe revirou os olhos e gargalhou.
- Certo.  Vou aceitar a oferta. Apenas porquê sei que vai desistir dentro de poucos dias, mas pelo menos ganharei meus bolinhos.
Finalizaram o acordo com um tradicional aperto de mão, e a partir daquela tarde, Joe, Nora e alguns amigos do rapaz, treinavam todos os dias ao pôr-do-sol.

                                          

A Guardiã da PrincesaOnde histórias criam vida. Descubra agora