mercúrio

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O meu nome é Yor. E eu vou morrer.

A parte mais dolorosa de ser alguém como eu é que para nós, mais do que para ninguém, o tempo é incerto. Eu posso já não estar aqui amanhã porque simplesmente o meu corpo se esqueceu de acordar, e isso assusta-me, não posso negar.

Se tenho medo de morrer? Não. Eu tenho medo de não viver.

A minha mãe, Sharon, visita-me todos os dias e a cada dia mais traz uma senhora diferente "capaz de me curar". A sério? É assim tão difícil aceitar que vou morrer? Digo, porque é que ela parece estar mais preocupada que eu? Não sou eu que vou morrer? Dizem que "Nosso Senhor" me devia levar, alegando que assim eu não iria sofrer mais. Deuses! É preciso morrer para parar de sofrer? E se esse tal Senhor estivesse tão preocupado comigo, cessaria o meu sofrimento em vida, ou então seja só um desabafo desesperado de uma pessoa que não tem o controlo da sua própria existência.

O meu nome é Yor e eu tenho 16 anos, mas uma vida tão monótona que diria que estou lá para os 70. Eu não saio do mesmo hospital desde os 10 anos, pois alegaram que o tumor que possuo - inicialmente no estômago - me impediria de viver uma vida normal. Eu já vi de tudo aqui, pessoas a almejarem a cura, outras atrás do suicídio, algumas bizarras fanáticas por política que questionavam se tudo não seria uma invenção do estado, - sim, elas existem- e até pessoas alegando que foram curadas por uma força superior apenas ao mergulhar-se em águas milagrosas.

-"Assim que mergulhei naquelas termas cheias da mais santíssima Graça, Yor, todo o meu corpo acalmou! Estou curada! Tente, por si, pela sua saúde!"

Não, eu não o fiz.

Pensando bem, entre todas essas pessoas que já presenciei eu não me encaixava em nenhuma. Não me entendam mal, eu tinha esperança na cura, mas também era realista. Foi quando me disseram que o meu cancro estava agora a chegar aos pulmões, que eu percebi que a brincadeira - que não gostava lá muito de brincar comigo - tinha terminado. Não direi que o desespero tomou conta de mim, pois estaria a mentir, era só...uma confirmação daquilo que eu já esperava - vou morrer.

Já agora, morrer não me assusta, se ainda não perceberam.

Quer dizer, todos vamos morrer um dia.

Mas porque é que eu entre todas as pessoas tenho que ir mais cedo?

Isto é tudo um teste, não é?

Quando eu acordar vai estar tudo bem e...

- Yozita?

Merda.

- Sim, mãe?

- O doutor Park quer falar contigo, os resultados dos exames saíram.

Olhei para a mancha roxa no meio do meu braço, tinham-me tirado sangue. Às vezes, apanho-me a pensar no quão hipócrita tudo isto é. Vou morrer, todos sabem, mas continuam a furar-me como se fosse uma almofada de alfinetes. Por vezes, só queria que me deixassem em paz.

- Achas que estão bons?

- Não sei, és a primeira a ter os resultados, sabes disso.

- Não que adiantasse muito virem bons resultados.

- Yor.

Naquele momento, as portas brancas, agora já com uns autocolantes que fui colecionando ao longo do tempo, foram abertas, e a silhueta do homem que nunca me largou a mão entrou. O doutor Park era a pessoa mais fixe em que podem pensar. Ele era asiático, com os seus olhos meio esticados e pele de invejar. Era alto e forte, mas não me intimidava, afinal, o doutor Park era a figura mais próxima a um pai a que a vida me deu acesso. Ele tinha filhos e esposa, mas era meu pai. O homem que me viu crescer, que trabalhou turnos extras só porque eu não me estava a sentir lá muito bem. E se Deus existir, o meu último e único desejo a ele é que reserve o melhor lugar que ele tiver no paraíso para o doutor Park.

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⏰ Última atualização: Aug 12, 2022 ⏰

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