— Isso é loucura — reitera Chia, quando estamos tomando o café da manhã.
Está claro que não estamos em nosso melhor momento, mas eu duvido que, independente da ocasião ou de nossas discussões, Chiara queira meu mal. Por isso, quando eu partilhei minhas suspeitas de que Arthur fosse o comparsa da cobra ruiva e ela exclamou que isso não seria possível, tento não levar para o lado pessoal.
Mesmo que isso exija muito de minha energia.
— Estou dizendo — assevero com um rosnado. — O que ele falou não foi divulgado para ninguém. Todos sabem que eu caí no banheiro e fui socorrida por uma amiga. Nada sobre estar sozinha.
— Nori, qual é, não é exagero acusar ele de ser extremo desse jeito?
Reviro os olhos para Chia e apoio a bochecha nas mãos, impaciente.
— Você acha mesmo que ele levaria o seu fora como uma ofensa pessoal? — Pergunta Kash, com a boca cheia de mingau de aveia-preta.
Faço uma careta para a pesada e grudenta gororoba marrom esquisita sobre sua colher, uma mistura de aveia normal com um tipo questionável de grão escuro.
— Se estivesse no lugar dele, não sentiria a dispensa como um baita golpe em seu ego masculino? — Retorque Frida, com um sorriso maldoso. — Porque está claro que poucos teriam uma chance com esses dentes perfeitos e esse rostinho bonito.
Ergo as sobrancelhas numa careta incrédula para a brincadeira de Frida, tirando seus dedos de meu queixo para acenar com a mão.
— Em primeiro lugar — viro-me para ela com um erguer irritado de sobrancelhas. — Eu não sou um animal à venda para ser exibido ou comparado com um cavalo. — Ela dá de ombros, recebendo uma risadinha de Kash. — E em segundo, sim, eu acredito que ele possa ser culpado.
— Não por isso, talvez, mas motivos não faltariam — complementa Kash, com um aquiescer. — Sem ofensa, Nori. Não quero dizer que seu rostinho bonito não seja o suficiente para fazer um garoto pirar.
Bufo, largando o biscoito meio comido no prato.
— Vocês estão insuportáveis hoje, sabia? — Eles riem. — Posso continuar? Obrigada. Eu acho que, com ou sem conexão com o que aconteceu lá embaixo — digo, referindo-me ao episódio citado com um aceno de minhas mãos inquietas — ele pode ter sido cúmplice. Afinal, quem aqui me conhece ou tem algum tipo de interesse em mim sem contar com eles?
— Interesse ao ponto de atacar uma e matar outra — Chia sussurra a última parte.
— Isso seria novidade? — Questiono a garota, fazendo menção a um dos antigos rebeldes de Mônaco que resolveu que ser assassino de aluguel seria útil. Ele morreu uma semana após seu primeiro trabalho.
— E, até onde sabemos, ele pode ter interesse particular ou apenas aceitou um trabalho — aponta Frida. — Mesmo que esse trabalho envolva chegar perto de matar. Existem muitos meios eficazes de se comprar uma pessoa ou de convencê-las a fazer certas coisas.
— Mesmo porque tem gente que faz as coisas sem precisar de razão maior que a própria vontade de alcançar um objetivo — completo, com um dar de ombros.
Chia suspira, resignada com o rumo da conversa. Agradeço por ela não chamar atenção para nós com mais protestos. Mesmo em meio o alto ruído de conversa ou com nossa estratégica posição, na parede Leste e última mesa no fundo do refeitório, longe em pelo menos quinze metros de qualquer outro, poderíamos, sim, ser ouvidos por um desses seres de habilidades sobre-humanas.
— O que pretende fazer sobre ele? — Questiona Daniel, que parece estar se esforçando para manter uma conversa civilizada comigo.
Isso é, de fato, difícil. Não que eu não esteja fazendo um belo esforço para não atirar o prato de mingau na cabeça dele toda vez que me lembro de sua cobrança.
— Verdade, Nori. Vai contar para Samantha?
Nego com a cabeça, mais para Frida do que para Daniel, engolindo em longas sorvadas o chá oferecido para aquecer esse frio que sinto por dentro. Descubro que chá ficou gelado.
— São suspeitas. Lógicas, mas não passam disso. Vou esperar e, se tiver provas concretas, poderei contar a ela. Por enquanto, prefiro que fique entre nós.
Todos acatam meu pedido anuindo com a cabeça, em especial Chia que murmura um agradecimento e um "assim evitamos cenas desnecessárias", que faço questão de fingir não ouvir. Eu continuo esperando a confirmação do garoto dos olhos azuis, que demora um minuto a mais que o restante para assentir.
— Ótimo.
— Como vai conseguir provas? Não vai fazer mais nada?
— O que eu poderia fazer? — Solto o biscoito que tinha pegado de novo, deixando-o, mais uma vez, meio-comido. — Eu não posso acusá-lo nem investigá-lo ou coisa do tipo. Vou ter que esperar, e só.
Um novo silêncio varre a mesa.
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Artefatos de Sangue
Paranormal"Eu nunca quis ser parte disso. Nunca quis fazer parte dessa guerra. Nunca quis ter que escolher um lado. Mas, por eles, e por mim, eu finalmente queria tentar". Embarque nessa aventura, afogue-se nessa história enigmática e envolva-se num mundo de...