Capítulo 39 - Parte Dois

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Abraçando os bens que mantenho comigo, desisto de dar a volta nos corredores ao redor sala de reuniões, sem desejar ficar mais exposta. Vou para o portão que me trancará longe da área de lá, puxando-o e prendendo seu cadeado em silêncio. O clique é inaudível, o que me faz suspirar de alívio. Grata pelos tênis de solas de borracha que Sam conseguiu para mim, eu vou a passos leves para o portão seguinte, ultrapassando-o e trancando-o como o anterior. Resta-me somente uma saleta de estudos mais para ter que encarar as escadas que me guiarão para o andar inferior.

Puxo uma respiração profunda, sentindo vir para mim o aroma da chuva que escuto bater no exterior. A poeira e o cheiro de livros antigos acompanham-me em meu caminho, passo a passo. Posiciono-me sob a proteção do arco-íris de livros, oculta por detrás de uma das grandes prateleiras. Entrecerro os olhos para focar minha visão, mas não é necessário mais que alguns segundos; em meio minuto, estou enxergando muito melhor do que deveria nesta escuridão.

Viro-me com ligeiros movimentos. O vulto no andar inferior ergue a cabeça, deixando brilhar diante de mim um par de olhos vermelhos cujo resplandecer anormal se faz mágico.

Estou paralisada, vendo as raias rubras mesclarem-se no mais profundo negro das retinas. Meu corpo se arrepia, meu sangue correndo muito rápido em minhas veias sendo o oposto de meu corpo, que não se atreve a mover-se um único milímetro.

Um relâmpago clareia o ambiente por instante, iluminando os detalhes que meus olhos nus não conseguem ver, mesmo estando muito melhores do que o considerado normal. A luz adentra pelas janelas altas, deixando-me ver os traços do queixo firme e do maxilar duro e travado, parando pouco antes do ponto onde a touca da capa cobre o restante dos traços masculino. Um rugido escapa dos lábios entrecerrados de meu espião. Arregalo meus próprios olhos, observando quando o invasor vira o corpo largo e recua, afastando-se de minha vista ao correr escadas abaixo com baques pesados de pés grandes que o guiam para longe de mim.

— Não fuja! — Rujo, com uma coragem que não posso compreender de onde tiro.

Aperto o diário no peito por dentro da camisa de dormir, empurrando com brutalidade o livro que usei como chave em um espaço qualquer na prateleira de onde o recolhi, esperando que este pequeno descuido não me delate. Bato o portão em minhas costas sem me importar mais como barulho, puxando o cadeado de qualquer maneira para somente então seguir descendo em passos largos com a destreza que tive de aprender a ter ao saltar de prédios, pedras e buracos em meus antigos treinos e nas fugas que já fiz.

— Pare!

A palavra ressoa pela biblioteca, um grito que é abafado pelas paredes e livros ao redor.

Chego ao térreo com o coração batendo muito rápido, as mãos trêmulas e o pé dolorido por uma torção feita entre o segundo e o primeiro andar. Olho de um lado ao outro, mas não há ninguém. Um grunhido, entretanto, me faz olhar na direção da sala de reuniões.

— Quem é...?

Ofego alto, sentindo dedos fecharem-se ao redor de minha garganta, pressionando em um aperto rígido e forte que me faz perguntar-me se irei morrer, mas a firmeza em minha traqueia traz somente dor, uma falta de ar gradativa que anuncia que o desejo de meu agressor é me fazer sofrer, não morrer rapidamente. Minha visão fica turva por um momento, as lágrimas que surgem nos cantos de meus olhos graças ao meu esforço em não os fechar borrando-a. Sou empurrada com força para uma parede. Arfo com a força do golpe que tira todo o ar de meus pulmões, tremendo enquanto tento libertar-me do agarre.

— Solta... — Ordeno, com um fio de voz.

Um braço bate ao lado de minha cabeça quando os dedos apertam um milímetro mais de minha pele. Consigo juntar energia o suficiente apenas para notar a falta de uma mão acima do pulso. Arregalo os olhos.

Artefatos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora