Capítulo 41 - Parte Única

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Sinto antes de ver a presença deles. Um, dois, dez... Estou rodeada de lobos gigantes, bestas ferozes prontas para me devorar. Não, não apenas lobos. Lobisomens. Seres sobre-humanos, o submundo da Reserva, com suas presas muito grandes, mandíbulas feitas para quebrar ossos humanos e garras afiadas para romper a pele e o músculo num só golpe.

E como eu sei disso? Bem... Eu sei por que fui atacada por um, anos atrás. Por que nós, ela e eu, fomos atacadas, há anos. Por que, por causa de um deles, vovó me odiou até a morte, que não demorou a chegar. Eu vi o que essas presas podem fazer no pescoço de uma criança, o que essas mandíbulas fortes ocasionam em um frágil ser humano. Vi o que essas garras fazem, perfurando pele, músculos e chegando aos ossos.

— Não deveria fugir assim, menina — diz uma grave voz conhecida. — Isso atiça os instintos de predador dos lobos.

— Não acho que você me dá muita escolha, Samuel — rebato, sem ousar me mexer mais do que tímidos centímetros. Empino o queixo, mas não ouso levantar os olhos. — Colocou seus animais atrás de mim.

Escuto um rosnado. Meu corpo se retrai, porém eu não me permito recuar.

— Faça um favor a você mesma e não ofenda um lobisomem em plena Lua Cheia. Meus homens são controlados, mas outras alcateias já dizimaram cidades por menos.

Em uma súbita onda de coragem, deixo que meus olhos localizem Samuel, conforme vou erguendo-me polegada por polegada.

No meio da clareira em que nos encontramos, o Alfa do Norte se posiciona em pé, entre cerca de quinze homens-lobo, todos transformados. Samuel usa somente uma calça jeans e está descalço, o que me diz que acaba de passar por sua própria transformação, voltando à sua forma humana por minha causa. Ele não parece muito feliz com isso.

— Sua aversão é compreensível, criança, mas não deve desobedecer uma ordem de Samantha — Samuel repreende, sem alterar o tom de voz. — Quando ela lhe contou que ninguém que não um Cae da alcateia fica fora após o toque de recolher, havia como única motivação a sua proteção. Samantha já deve saber de sua fuga a esta hora, deve estar preocupada com você. Ao sair da mansão esta noite você se colocou em grande perigo.

— Não deveria ter me seguido. Eu voltaria. Pela manhã.

Ele entrecerra os olhos.

— Criança, você sabe que poderia não chegar sequer a sobreviver até o pôr do sol.

— Pode parar de fingir que está aqui porque se importa? Você me odeia desde o primeiro dia em que colocou os olhos em mim. Está claro que foi a vontade de Sam que o trouxe até mim.

Samuel torna-se inexpressivo.

— Tenha cuidado com sua atitude impertinente, Honoria. Ela pode colocá-la em perigo tão rápido quanto sua língua afiada.

— Ameaçar me ferir vai contra seu propósito de me manter viva, não acha?

Ele apenas me fita, mas eu poderia jurar ver uma pitada de diversão bem no fundo de seus olhos, mesmo que seja nada mais que um flash que venha e vá embora depressa.

Sou medida por Samuel por alguns segundos, os quais tenho que superar forçando-me a permanecer calada. Meu corpo treme em espasmos violentos, minha pele está úmida pela chuva, mas, como no lugar onde os novos lobos se transformam, tenho um teto de folhas e galhos me protegendo da parte mais violenta da tormenta.

Pena que não existe um teto igual para minha tormenta interna.

— Você está ferida, criança — Samuel percebe.

Eu nego com a cabeça, apertando mais o ponto onde a mancha de sangue se formou.

— Um arranhão, nada mais — desconsidero. — Não é profundo, e não está muito aberto.

Artefatos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora