Ego

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Não quero lhe falar meu grande amor, sobre Mank e Welles. Quero, talvez, lhe falar sobre a morte que tive ao sentir a mesma dor da solidão e incapacidade de um homem, que tentou mudar o mundo e mudou a si mesmo no final. A morte que o homem escolheu para viver sua solidão: um castelo de estátuas, que fariam companhia a si, enquanto o castigavam com sua frieza e silêncios eternos. Não quero falar lhe também meu grande amor de todos que, ao entorno daquele homem envolvidos naquele ambiente opressor da fama, absorveram em seus corações o mistério de quem gritava em cores no meio do preto e branco, transformando-se em pessoas que não sabem o que querem ou se algum dia puderam querer algo - querer o que? Não poder querer o que? Não sei.
A única coisa que sei é que tudo muda constantemente e isso é óbvio. Sei também que a morte, em vida pelo menos, mata mais que tudo, enquanto a morte física mata apenas a carcaça para todos verem. Não vou falar que Welles foi único. Todos os dias, nós, quem somos únicos. Nós que sempre pensamos saber demais e deixamos de aprender um dos saberes mais importantes da existência: a unicidade da dor e vida.
Quero lhe falar meu grande amor, sobre o ego, que os egocêntricos me lembram. Acho que aprendi isso lendo Jung e Freud.
Sempre que conhecia alguém, eu tendia a dizer racional e francamente dizer: você é de fato, estranho. Até hoje na verdade faço, como se fosse o elogio mais sincero e incomum que posso fazer a alguém que sinto uma conexão, e sou ligeiramente orgulhoso de fazer parte das pessoas: comuns, estranhas e personas. Fico me sentindo agraciado de ter reparado por mim mesmo desde jovem a diferença entre aqueles que vivem, os que morrem, os que sobrevivem, daqueles que, como eu, só são pessoas.
Ego. Faz anos que li sobre os arquétipos e sobre psicologia em geral, portanto não faço a menor ideia se tais informações ainda estão plausíveis na minha mente. Mas sinto que desde sempre ela tem um peso pejorativo quando sai da boca das pessoas.
Agora sei que o real significado dessa palavra é nada além de "eu" dita de uma forma mais profunda, e que tem consciência sobre si. Não sei se me é agradável explicar sobre isso ou até mesmo por que me é agradável saber que se eu sou uma persona e um ego todos são também? Continuo sem saber, acho que ser uma persona me faz ter possibilidades demais e ter um ego me faz saber que posso ser tudo enquanto sou eu. Penso muito também sobre a juventude, essa que não me é eterna, e como ela por si só parece ter um ego. Um bem grande por sinal. Porque ter noção de si mesmo é algo assustadoramente libertador. É a liberdade de saber ser algo. É o medo de nunca descobrir o que.

Às vezes tenho uma certa dificuldade de distinguir certas partes minhas - a persona do ego. Uma máscara que em minha juventude escolhi para não me destoar na multidão. Eu até poderia, destoar de todos, ainda mais na minha juventude. Mas penso com meu ego no custo que isso teria, ao sofrer, descobrir que nada é tão bem visto e minha persona involuntariamente mudar de forma drástica. É quase uma covardia, uma ofensa ao ego. Poder ser quem eu quiser é um dos primeiros passos solitários. E emocionantes. Mas quando enfim me sinto confortável em ser eu e algo mais para me apresentar a todos, algo em mim adoece, minha cabeça se abaixa como se tivesse perdido algo importante. Talvez tenha mesmo.

Também ocorre outra coisa que é quase vergonhosa de admitir.

Depois de um belo tempo me convencendo estar bem com a persona e ego, num solavanco - um susto impensado, por causa de uma nova luz no recinto - o ego se contrai e a persona se dissimula, e às certeza incertas se explodem por todos os cantos. Então novamente algo incomoda, pinica, irrita quando não deveria nem mais haver vontade. E algo se entristece pedindo para não ficar invisível. Infelizmente em certas coisas sou insensível: às vezes me entristeço de propósito. A menos que me canse muito e realmente tenha coragem de dizer "esse é o meu ego". Como o ego teve que se descobrir num caminho pelo mapa da alma.

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